À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

06/10/2011

O declarante

Anabela Fino

Os governantes portugueses e certos políticos ditos do arco do poder, para já não falar de outros sectores tidos como muito mediáticos, tendem cada vez mais a encarar os jornalistas como «pés de microfone»: sempre que entendem por bem cacarejar qualquer coisa convocam a comunicação social para uma declaração «sem direito a perguntas». Dizem o que bem entendem e têm o dia ganho.

O caso mais recente de adesão a esta «democrática» forma de disciplinar a informação é o de José Seguro, líder do PS, que não descortinando forma de ser «oposição» a um governo cuja política subscreve, optou pelo papel de declarante-não-respondente, como aconteceu esta segunda-feira após uma audiência com Cavaco Silva. A coisa nem é de estranhar, já que Seguro – fazendo jus aos seus antecessores – nada mais tem a dizer aos portugueses a não ser que considera «relevante neste momento voltar a afirmar que o País deve cumprir todos os compromissos internacionais». E não fora dar-se o caso de ser mal interpretado, acrescentou o que também toda a gente já sabe, ou devia saber, isto é, que o «PS está vinculado ao cumprimento desses compromissos» com a troika, os quais, para serem «bem sucedidos», implicam a existência de «um bom diálogo institucional, uma partilha de informação, de modo a que os principais responsáveis pela execução desse compromisso sejam bem sucedidos».

«O sucesso desse cumprimento – fez ainda saber – é muito relevante para Portugal sair da situação em que está, e para que os portugueses possam voltar a ter motivos de esperança».

E pronto, está dado o recado do secretário-geral do PS dois dias depois de centenas de milhares de pessoas terem gritado nas ruas de Lisboa e Porto o seu repúdio pela política que está a levar o País para o abismo: não contem com o PS para a contestação. O acordo é para cumprir nem que seja com a corda na garganta. O que o homem não quer é ficar de fora do diálogo institucional, quem sabe se para poder dar umas achegas para o «sucesso» das privatizações, dos despedimentos, do desmantelamento do SNS, da Segurança Social, da legislação laboral e etc. e tal. Imagine-se só se alguém se lembrava de lhe perguntar onde é que nisto tudo tinha ficado o «socialista» que diz ser...

http://www.avante.pt/pt/1975/opiniao/116530/

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