Ao fim de quase seis meses de greves, o Governo e as administrações por este nomeadas vieram reconhecer que o Acordo de Empresa é melhor para os ferroviários, para os utentes e para as contas públicas, como os trabalhadores e as suas estruturas defendiam desde sempre. A luta continua, em defesa do sector ferroviário.
A reposição das regras dos acordos de empresa da CP e da CP Carga (com origem comum no AE da CP), sobre trabalho extraordinário, trabalho em dia de descanso e feriado, e trabalho nocturno, ficou decidida no dia 9 de Junho. As administrações vieram reafirmar, agora com parecer da Inspecção-Geral de Finanças, que «a aplicação dos AEs é mais vantajosa para as empresas». Esta posição foi a base para um acordo com o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, da CGTP-IN, e igualmente com outros sindicatos, que aceitaram levantar as greves em curso.
Para o SNTSF, trata-se de «uma vitória» pela qual o sindicato «saúda todos os ferroviários que, em unidade, se mantiveram firmes e determinados na defesa da contratação colectiva e do seu Acordo de Empresa». A vitória dos trabalhadores implica derrotados, que são apontados no comunicado que o sindicato divulgou nessa quinta-feira: - «um Governo que impôs regras sem ter em conta a organização do trabalho nestas empresas, que prejudicou trabalhadores e utentes»,
- e «aqueles que, em vez de contribuírem para a unidade e defesa do AE, optaram por denegrir os trabalhadores e a sua luta». O sindicato, por outro lado, «lamenta» que o Governo tenha deixado arrastar seis meses o conflito gerado pela sua decisão de impor alterações, com prejuízos para os utentes, para os trabalhadores e para as empresas, e só perante a forte mobilização dos trabalhadores tenha agora aceitado retomar as regras que vigoravam até Dezembro.
«Este acordo deve constituir um estímulo para as lutas que os trabalhadores serão obrigados a encetar contra a aplicação das medidas da troika estrangeira e que constituem um forte atentado aos direitos, aos salários e às condições de trabalho dos trabalhadores portugueses», apela ainda o SNTSF.
Por fim, o sindicato defende que, com o fim desta luta, «cessam também as razões que a CP argumentou para suprimir comboios nas linhas de Sintra e Cascais».
«A imediata reposição das circulações ferroviárias suprimidas pela administração da CP, com o falso argumento das dificuldades criadas pela greve às horas extraordinárias», foi igualmente exigida pelo secretariado da célula do PCP no sector ferroviário da Organização Regional de Lisboa.
Num comunicado emitido dia 9, o Partido exige ainda «a imediata anulação das medidas repressivas tomadas contra os ferroviários em luta, como seja a ilegal marcação de faltas injustificadas (nalguns casos de quatro dias por cada dia de greve)». Este passo está preconizado no acordo divulgado pelo SNTSF, aceitando as empresas «qualificar, como ausências justificadas por greve, as faltas consideradas por parte da empresa como injustificadas no contexto destas greves».
Nem fizeram contas
«Na cegueira de cortar nos direitos dos trabalhadores como "solução" para tudo, o Governo nem sequer fez as contas primeiro», acusa a célula do Partido, lembrando que o acordo foi precedido por «meses de intoxicação dos utentes contra os trabalhadores em luta». Com o Governo a vir «finalmente reconhecer que as regras negociadas nos acordos de empresa são mais favoráveis a todos (empresa, trabalhadores e utentes) que as regras que ilegalmente tentaram impor por via do Orçamento de Estado», fica claro que «a desestabilização do sector ferroviário foi da directa responsabilidade do Governo e de quem o apoiou na Assembleia da República, e não dos trabalhadores, que com determinação, unidade e coragem se lançaram numa justa luta em defesa dos seus direitos e dos utentes».
Comprovou-se assim que «são os trabalhadores quem pode - e deve - assegurar a defesa dos interesses das empresas públicas, face a um poder político subordinado aos interesses dos capitalistas e da UE/FMI».
E «fica ainda demonstrado - uma vez mais - que vale a pena lutar», conclui o PCP, saudando fraternalmente todos os ferroviários em luta e exortando a que se mantenham vigilantes, «face aos perigos que ameaçam os trabalhadores portugueses, face aos projectos de liquidação das empresas públicas, face ao anúncio de novos e pesados aumentos de custos para os utentes dos transportes».
Manipulação da dívida
O PCP denuncia a manipulação da opinião pública sobre a dívida das empresas públicas ferroviárias, «manipulação que esconde sempre as razões» que conduzirem a essa dívida, designadamente, como se refere no comunicado:
- as dívidas dos governos às empresas públicas,
- a opção, tomada por PS e PSD, de realizar o investimento em infra-estruturas e equipamento com recurso a empréstimos bancários por parte das empresas públicas, incluindo o investimento necessário para os operadores privados Fertagus e ViaPorto,
- a opção de subfinanciar as empresas públicas, enquanto eram pagos centenas de milhões de euros às transportadoras privadas, como denunciou o Tribunal de Contas.
Aquela manipulação esconde ainda que «hoje a maioria dos custos das empresas é com o pagamento de juros e não com salários».
Para os comunistas, tal manipulação «tem como objectivo criar um clima favorável, na opinião pública, para o brutal aumento de preços em preparação, para a intensificação da exploração dos ferroviários e para a privatização dessas empresas, depois de limpas do seu passivo».
No quadro da luta por uma política patriótica e de esquerda, está decidido iniciar nos próximos dias «uma nova campanha política de esclarecimento e mobilização contra a privatização do sector ferroviário», informa-se ainda no comunicado.
A força da luta
O Governo e as administrações da CP e da CP Carga recusaram reconhecer a razão dos trabalhadores. Esta impôs-se pela força da luta.
Com o Orçamento do Estado para 2011, as transportadoras que fazem parte do sector público ficaram sujeitas às normas que o Governo e a maioria parlamentar acrescida que aprovou o OE (PS e PSD) decidiram impor aos trabalhadores do sector público administrativo e do sector empresarial do Estado. Para quem determinou as novas formas de organização (e, sobretudo, de remuneração) do trabalho, não haveria distinção entre caminhos-de-ferro, hospitais, escolas, repartições ou juntas de freguesia.
No sector ferroviário, a contestação e os alertas sindicais surgiram logo no final de 2010 e foram subindo de tom. A administração da CP decidiu passar a regular pelo regime da Administração Pública (e com as restrições aqui impostas) a remuneração do trabalho extraordinário, do trabalho em dia de descanso semanal e em feriado e do trabalho nocturno, anulando o que estava negociado e inscrito nos acordos de empresa em vigor.
O SNTSF e outros sindicatos representados na empresa não aceitaram a medida, por colocar em causa os AE, por reduzir a retribuição do trabalho, por desorganizar horários e até provocar redução ou encerramento de serviços... E também por, feitas as contas, acabar por trazer mais custos.
Tanto assim seria, afirmavam em Fevereiro as estruturas representativas dos trabalhadores - como demos notícia em diversas edições - que as administrações da Refer, da Carris e da TAP já haviam divulgado a decisão de não aplicar os cortes nos abonos variáveis, contando para tal com a anuência do Governo.
A partir de 26 de Fevereiro, com pré-aviso de greve, a grande maioria dos trabalhadores da CP e da CP Carga passou a recusar qualquer serviço extraordinário. A luta inseriu-se noutras movimentações decididas pelos sindicatos do sector de transportes e comunicações.
A notória perturbação que se notou - atrasos na circulação de comboios, encerramento de bilheteiras, faltas na fiscalização... - veio evidenciar os efeitos da política de redução de pessoal. Mas o SNTSF alertou várias vezes para o facto de a supressão de composições decidida pela administração extravasar o mero efeito das greves e ir ao encontro dos objectivos de quem pretende carrear argumentos para a privatização das linhas e serviços mais rentáveis.
Ao fim de mês e meio, no dia 1 de Abril, a administração da CP veio anunciar que obtivera autorização do Governo para «estudar alternativas» e prometeu aos sindicatos «um estudo exaustivo», com as novas propostas, na semana seguinte. Os sindicatos suspenderam a luta até dia 14.
Mas só no dia 21 a administração apresentou aos representantes dos ferroviários os resultados de um estudo, a enviar ao Governo, comprovando que as regras do OE exigiriam a supressão de serviços ou a admissão de mais trabalhadores, pelo que a aplicação do AE seria mais favorável para as contas das empresas. Na véspera tinha ocorrido uma concentração sindical frente ao Ministério das Finanças.
As greves permaneceram suspensas, aguardando uma resposta do Governo.
Tanto tardou esta resposta, que os sindicatos acabaram por voltar a colocar pré-avisos de greve, para o período de 28 de Maio até final de Junho.
No dia 30, uma atrapalhada «informação» de que o Governo já teria decidido autorizar a aplicação do AE acabou por não se confirmar. Afinal, como o ministro dos Transportes comunicou aos sindicatos, numa reunião a 31 de Maio, ainda seria necessária uma confirmação, pela Inspecção-Geral de Finanças, do estudo que já era conhecido desde 21 de Abril! A confirmação chegou dia 9 de Junho.
Provisório... até 2013?
Invocando a greve retomada a 28 de Maio, a CP decidiu suprimir 44 circulações diárias, a partir de 1 de Junho: 4 na Linha de Sintra e 40 na Linha de Cascais. «Mas, no que à Linha de Cascais diz respeito, o 8.º aditamento ao Horário 215 (datado de 21 de Maio de 2011) informa que esta alteração é para vigorar entre 1.06.2011 e 28.09.2013» - revelou o SNTSF, numa nota que divulgou dia 2 e na qual questionava se «já decidiram que não cumprem o acordo de 21 de Abril de 2011 e esperam ter greves até 2013».
Mas o sindicato avançava outra possível explicação: tratar-se-ia de «uma decisão há muito tomada» e que foi agora posta em prática, aproveitando a luta dos trabalhadores para procurar que sobre estes recaísse a culpa.
Uma semana antes do dia em que Governo e empresas iriam dar razão aos ferroviários, o sindicato lembrava que a CP estava confrontada com um problema: «ou resolve o actual conflito e retoma a aplicação das regras do Acordo de Empresa, ou tem que suprimir serviços devido às regras que são impostas pelo Orçamento do Estado».
Na Linha de Cascais, assinala o sindicato, esta situação «é agravada devido ao envelhecimento do material circulante e à suspensão dos investimentos». Neste quadro, «a supressão de serviços pode ser uma das medidas equacionadas e que seria implementada com ou sem greve». «Se assim não for, desafiamos a CP a assumir o compromisso de que as circulações agora suspensas serão retomadas logo após a resolução do conflito» - concluía o SNTSF.
http://www.avante.pt/pt/1959/trabalhadores/115056/
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