Manuel Augusto Araújo
Francis Jameson, com uma extensa obra sobre o pós-modernismo, escalpeliza as íntima relações entre o pós-modernismo e as generalizações sociológicas que anunciam um novo tipo de sociedade que alcunham de sociedade pós-industrial. Argumenta que «qualquer que seja o ângulo de análise sobre o pós-modernismo na cultura e nas humanidades tem necessariamente uma posição política, implícita e explícita, com respeito à natureza do capitalismo multinacional dos nossos dias (…) à lógica desse capitalismo tardio».
O pós-modernismo produziu deliberadamente a perda de historicidade, a fragmentação do pensamento, o esvaziamento do pensamento ideológico que retira sentido aos partidos políticos que se tornam um fim em si-próprios, organizações eleitorais sem definição nem mobilização ideológica, representando determinados interesses económicos que lhes dão apoio variável e pontual. O resultado é visível a olho nu quando se procuram diferenças entre as práticas políticas do PS, PSD e CDS. A democracia, despida da retórica em que se procura confundi-la com esses partidos, é cada vez menos uma realidade correspondente ao ideal democrático. O paradigma democrático do voto como expressão da vontade popular, quando usado para votar num desses partidos, é um voto perdido para a democracia.
Nas outras áreas, a expansão do pós-modernismo é devastadora. Nas artes, o apagamento das fronteiras entre culturas, a chamada alta cultura e a cultura popular, produziu uma polpa onde flutuam objectos e produtos sem outro destino que não seja o da exploração publicitária do trabalho formal. As ciências sociais foram tomadas de assalto pela miséria do pensamento.
O político, o intelectual, o artista ideologicamente comprometido cederam o seu lugar a uma espécie palrantes todo-o-terreno, especializados nas banalidades com que vendem as virtudes de uma sociedade que rasurou toda e qualquer espécie de dignidade para lutar pela sua sobrevivência. O espectáculo a que diariamente se assiste, vendo, ouvindo e lendo os meios de comunicação social, é deprimente. O pós-modernismo pauperizou o pensamento e o sentido de humanidade. Produz máquinas de imagens que o reproduzem nos ecrãs das televisões e dos computadores, nas redes sociais, nas montras dos centros comerciais. Mede a pulsação da vida pelos resultados económicos. Transforma a ciência económica que Marx tinha elevado à condição de ciência social e humana por excelência, na aritmética grosseira do deve e do haver. As ciências sociais e humanas, em particular a sociologia, foram despojadas de ambição para se venderem no que é imediatamente mais rentável. O que é seguido, no seu essencial pelo ideal do saber universitário cerceado por critérios económicos que impõem cursos e especialidades consideradas mais vendáveis.
É extraordinária a sucessão de gurus que se atropelam para debitar mais do mesmo, com papel de embrulho diferente. Quanto mais o pensamento é esquelético mais se vende a ideia de líder e de líder excepcional com que se procura preencher esse vazio.
A literatura, os textos de opinião, as pós-graduações e doutoramentos em liderança são abundantes, por mais insustentável que seja a sua leveza.
Os pensadores líderes do pensamento pós-moderno consideram que a ideia moderna de racionalidade global acabou por se «desintegrar numa unidade plural de mini-racionalidades, ao serviço de uma global e incontrolável irracionalidade». Enunciam como única saída possível «a reinvenção das mini-racionalidades da vida de modo a que deixem de ser partes do todo e passem a ser totalidades presentes em múltiplas partes». Seria essa a lógica de um pós-modernismo de resistência com tradução política nos blocos de esquerda.
É um pensamento labiríntico e hermético que, abandonada a trincheira de uma suposta resistência, coado e passado a limpo para a política do quotidiano, se traduz no populismo rasca com que vende a ideia neoliberal onde a alienação do homem é central. Descascada essa retorcida batata filosófica percebe-se que essa suposta resistência pela «reinvenção de mini-racionalidades» é o exercício de pacificação da «global, inabarcável e incontrolável irracionalidade». A ritualização e encenação de artifícios de sobrevivência que constroem o casulo de onde a pós-modernidade não voará borboleta, porque essa tese, nuclear do pensamento pós-moderno, é a mentira da sua própria razão.
Há uma poderosa máquina difusora informativa e de propaganda que pretende tornar credível a ideologia pós-moderna e um suposto pós-história, pós-economia, pós-política, etc, que quer ser o horizonte final da sociedade, onde toda a conflitualidade se resolveria por intervenções gestionárias. Acaba por se alimentar dos seus próprios resíduos.
Peças fundamentais dessa máquina são as ciências humanas numa deriva que promove um saber para-mágico. Para rasurar qualquer dúvida, um dos mais eminentes pensadores pós-modernos portugueses, teorizando sobre filosofia das ciências, defende que para o avanço do conhecimento científico é tão importante a matemática ou a física como a astrologia. É esse o palco onde a miséria, o aviltamento, a devastação das ciências sociais e humanas se exibe para aplauso de Belmiros, apaniguados serventuários, como se pode ler nas intervenções que vão plantando na comunicação social.
As ciências sociais, no seu conjunto, têm que readquirir o seu estatuto original para se imporem aos poderes actualmente hegemónicos e integrarem a luta política, como o preconizaram os seus pensadores maiores, Marx e Engels, que é cada vez mais urgente e actual ler e reler.
http://www.avante.pt/pt/1959/temas/115021/
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