À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

22/12/2010

WikiLeaks e Portugal

Guilherme Alves Coelho

Guilherme Coelho fez uma pesquisa sobre os textos divulgados por wikileaks relacionados com Portugal. É o resultado desse exaustivo trabalho de Guilherme Coelho que hoje publicamos.

1. O site da internet WikiLeaks começou a publicar no dia 28 de Novembro 251.287 telegramas confidenciais provenientes de 274 embaixadas dos EUA espalhadas pelo mundo, tornando-se assim esta a maior quantidade de documentos deste género jamais divulgada publicamente.
O período de relatos vai desde 2006 até hoje, incluindo portanto a administração Obama e reportando directamente à Secretária de Estado Hillary Clinton. Os primeiros documentos foram divulgados através de cinco dos jornais diários de maior influência em todo o mundo. No site da organização estavam a ser disponibilizados diariamente (http://cablegate.wikileaks.org), e, após o ataque pirata norte-americano, continuam a ser acessíveis em sites de terceiros que se disponibilizaram para isso.
Apesar do muito que já se sabia ou suspeitava, não há dúvida que o site Wikileaks, nomeadamente este conjunto de mensagens denominado Cablegate, está a mexer com os governos de todo o mundo. A maior perturbação naturalmente vem da própria administração norte-americana, apesar de esta, de início, ter desvalorizado o conteúdo das publicações, alegando mencionarem apenas factos conhecidos.
Do que se trata afinal? Qual a razão de tamanho burburinho?
Diversas interpretações têm sido avançadas por muitos comentadores sobre quais as verdadeiras intenções desta operação. Segundo o próprio site os documentos servem para mostrar as contradições entre os EUA persona publica e o que se diz «á porta fechada». As fugas teriam apenas objectivos altruístas da parte de Assange e seus companheiros.
Alguns comentadores corroboram esta opinião afirmando que a publicação seria a confirmação da postura ditatorial dos EUA relativamente aos restantes países. Opinam outros que tudo não passaria de mais uma manobra das agências de espionagem norte-americanas ou de Israel, com a intenção de comprometer países «inimigos» como o Irão, a Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, etc. Outros ousam mesmo afirmar que estaria em curso uma manobra provocatória por parte de sectores militaristas dos EUA, um novo 11 de Setembro, com o objectivo de cercear a liberdade na Internet. De referir que ainda muito recentemente o dossier Internet foi atribuído por Obama ao Pentágono. Os EUA estavam, aparentemente, a perder a guerra da informação através da Internet.
A publicação dos documentos no WikLeaks gerou imediata e natural reacção do Presidente dos EUA que determinou o ataque ao site e a imposição de terminarem os seus serviços a vários operadores usados pelo WikiLeaks. Outros operadores, mais papistas que o Papa, fizeram-nos de livre vontade. Como de costume os habituais «patriotas» norte-americanos fizeram sentir a sua voz, clamando o linchamento público de Assange e da sua gente, ou pelo menos a sua prisão alegando terrorismo.
A resposta da comunidade web não se fez esperar e multiplicaram-se os «espelhos» (sites repetidores) [1] por todo o mundo, que o WikiLeaks havia solicitado, tornando assim praticamente impossível o seu bloqueamento.
Por outro lado, por sua própria iniciativa, os hackers (habitualmente piratas informáticos), fizeram a sua entrada espectacular em cena (ou no campo de batalha), «contra a prepotência norte-americana e em defesa da liberdade», como referem, e bloquearam durante largos períodos os acessos aqueles operadores, pelo mesmo processo que os norte-americanos haviam usado.
Os EUA procuram agora incriminar Julian Assange baseados numa hipotética cumplicidade na fuga dos anteriores documentos sobre o Iraque. Entretanto o homem que deu a cara pelo site WikiLeaks esteve preso em Londres e só saiu sob uma fiança de 235.000 euros e em regime de residência fixa. A Suécia tinha emitido um mandato de captura contra ele, com a acusação de violação de duas jovens naquele pais. Segundo alguns comentadores tratar-se-iam de «profissionais» do ramo ligadas aos serviços secretos norte-americanos. A Interpol, diligentemente, fez o resto.
Seja qual for a verdade - e aqui o objectivo geral confunde-se ironicamente com o particular - o certo é que, pela primeira vez na história, está aberta uma situação completamente nova de confrontação global, num espaço virtual, o que alguns já classificaram de ciber-guerra.
Estamos no inicio de um processo, perante algo sem precedentes e de consequências imprevisíveis, mas certamente muito importantes para o futuro da humanidade. Importantes por se tratar da rede mundial de comunicações, responsável por muito do que hoje se faz e diz no mundo. Mas também importantes por estarem em causa princípios como a liberdade de informação. Importantes por esta ser hoje a principal fonte alternativa à (des) informação oficial. Finalmente importante porque será neste espaço virtual que muito se decidirá no futuro em termos de contenção de um possível conflito militar.
Como se costuma dizer, ainda agora a procissão vai no adro. Há que acompanhar os próximos acontecimentos com atenção redobrada, para ficarmos a saber para que lado se irá inclinando o prato da balança. Até lá certamente continuaremos a conhecer mais situações esclarecedoras, escandalosas, embaraçosas, ou apenas ridículas, que merecerão certamente tratamento separado e detalhado. É o caso, por exemplo, neste momento de alguns telegramas já publicados e referentes a Portugal.
2. Embora considerado um pais amigo, Portugal não deixa de ser apreciado pelos EUA, através dos relatórios da embaixada da Av. das Forças Armadas em Lisboa. De acordo com o jornal «El País», daqui foram enviados para Washington 722 dos mais de 250 mil documentos disponibilizados pelo WikiLeaks. (2)
Eis, em resumo, alguns dos documentos enviados a partir da Embaixada de Lisboa e publicados pelo jornal espanhol El País» e respectivos links:

• Mensagem sobre as provas do caso Madeleine.

Em 2007 o embaixador de Londres confirmou ao seu homólogo dos EUA que «as provas contra os pais de Madeleine foram obtidas pela polícia britânica.»
A mensagem relata uma conversa entre o Embaixador norte-americano Hoffman e o Embaixador britânico Alexander Ellis, recém chegado a Portugal. Começava por uma apreciação sobre politica energética da UE para fazer face á politica agressiva da Rússia. Falou-se também sobre a possibilidade da participação de Robert Mugabe na cimeira UE-África, desde que o Sr. Brown (Primeiro Ministro) estivesse ausente. Descreveu a Rússia como uma sociedade «bipolar, umas vezes forte e outras fraca». E ainda como o grande mau vizinho.
Sobre Chávez e Ahmadinejad, Ellis comentou que o envolvimento de Portugal estava centrado no «engajamento», mesmo em relação aos chamados tipos beras. O Embaixador Hoffman contrapôs que «de pessoas irracionais não se pode esperar racionalidade». (sublinhado nosso). Embora reconhecendo que a posição dos EUA era justificável, Ellis respondeu que havia sensibilidades em jogo para Portugal, especialmente em relação à Venezuela.
Finalmente sobre o caso Mc Cann, o Embaixador Ellis admitiu, sem entrar em detalhes, ter sido a policia inglesa que desenvolveu as provas contra os pais de Madeleine McCann, desaparecida em Maio de 2007, no Sul de Portugal. Comentou que, dada a agitação dos media seria aceitável que os governos mantivessem os seus comentários à porta fechada.
(TEXTO REF.: Cable sobre las pruebas del caso Madeleine)
(’Caso Madeleine’: la policía británica apuntó a los padres)
• Presidente do primeiro banco luso ofereceu-se aos EUA para informar sobre o Irão.
O jornal “El País” comenta assim este documento:
«O chefe do Millenium BCP tentou um acordo secreto com os EUA para fazer negócios em Teerão em troca de certos trabalhos de espionagem».
Carlos Santos Ferreira (CSF), presidente do Millenium, propôs fazer espionagem a favor dos EUA, oferecendo informações das actividades financeiras da Republica Islâmica. A operação contava com o conhecimento do primeiro-ministro português, José Sócrates e de membros do seu governo. A história começa em 2009 quando CSF, é convidado pela embaixada Iraniana em Lisboa para avaliar do interesse da República Islâmica em estabelecer uma relação com o banco português. Passados meses, CSF, «bom amigo dos EUA», põe-se à disposição da Embaixada «para que o Governo dos EUA controle as contas iranianas no Millenium». Embora não o diga, a Embaixada norte-americana crê que, pelo menos, o Ministério dos Negócios Estrangeiros está ao corrente da proposta do banqueiro.
Mais tarde o embaixador dos EUA é informado que Portugal não está interessado em aprofundar negócios com o Irão.
Em outro despacho refere-se a intenção do Governo manter a porta aberta para a entrada no Irão da Galp Energia.
Em comentário próprio, informa o jornal espanhol que CSF foi deputado do PS na década de 70 e é próximo de Sócrates e Guterres.
Assinala ainda que CSF informou que quando presidente da Fundição de Oeiras terá vendido ao Irão apetrechos militares por mais de 20 anos. Comenta o articulista do El País que esta referência pode ser muito importante no momento em que se pretende abrir de novo o dossier Camarate e em que há suspeitas de o acidente ter relações com o fornecimento de armas ao Irão.
(El presidente del primer banco luso ofreció a EE UU informar sobre Irán 
-

Edición impresa)
http://www.elpais.com/articulo/internacional/Cable/relaciones/banco/portugues/Millennium/Iran/elpepuint/20101212elpepuint_9/Tes
• José Sócrates é “carismático” e “desagrada-lhe partilhar o poder”
Depois de referir a tradicional fidelidade de Portugal aos EUA, a mensagem caracteriza a personalidade de José Sócrates, a quem classifica de carismático, mas teimoso, bem como a de Cavaco Silva, considerado um homem bipartidarista. Este é porém visto pela embaixada como vingativo por não ter sido recebido por Bush filho na Sala Oval, pois se considerava amigo de Bush pai. Tal atitude teria levado o Embaixador à conclusão de ser ele o responsável pela posição de Portugal sobre o Afeganistão e sobre o Kosovo. Outro aspecto que desagradava ao diplomata eram as boas relações de Portugal com a Venezuela de Hugo Chávez, mesmo atenuadas com o conhecimento de que, em privado, Lisboa enviava «duras mensagens a Caracas». Por fim é referida a opinião de Cavaco sobre o Presidente da Venezuela: «Conheci Chávez, é um homem louco, mas… há 500 mil portugueses na Venezuela.»

(José Sócrates es “carismático” y “le desagrada compartir el poder” 


Edición impresa)
(TEXTO REF.: Cable sobre el malestar de Cavaco Silva por no haber sido recibido en la Casa Blanca)
• Mensagem sobre as relações entre Portugal e a Venezuela
Neste telegrama, titulado «PORTUGAL: NÓS SABEMOS QUE CHÁVEZ É UM LOUCO MAS…» a Embaixada dos EUA em Lisboa aprecia as relações de Portugal com a Venezuela.
Refere o sumário da mensagem as preocupações dos EUA sobre as relações de Portugal com a Venezuela e dá a entender que as explicações do Governo Português serão razoáveis. Assim, diz que embora Portugal seja o país da UE mais visitado por Hugo Chávez, isso se deve à necessidade de proteger a grande quantidade de população portuguesa nesse país. Para além disso foram estabelecidas relações bilaterais sobre diversos programas económicos: «leite por petróleo», «infra-estruturas por petróleo» e «tecnologia por petróleo».
Depois de mais algumas considerações sobre a personalidade de Chávez, o texto termina relatando o embaraço de Sócrates perante aquilo que classifica de indiscrições de Chávez ao referir num programa de TV comentários privados de Sócrates.

(TEXTO REF.: Cable sobre las relaciones entre Portugal y Venezuela)
• Mensagem sobre o partido da oposição Partido Social Democrata.

Mensagem intitulada «A oposição portuguesa procura novo líder», datada de 26/01/2008.
Relata-se opinião da embaixada sobre a corrida à liderança do maior partido do «centro-direita» (sic) em que a «unificadora» Manuela Ferreira Leite defronta o «polarizador» Santana Lopes. MFL seria a candidata favorita, quer do partido quer do eleitorado.

(TEXTO REF.: Cable sobre el opositor Partido Social Demócrata)
Sócrates aprovou em segredo os voos desde Guantanamo.

Eis como o “El País” comenta este telegrama:
«Portugal deu luz verde ao uso do espaço aéreo luso e da base das Lages para a repatriação de presos da prisão dos EUA – Lisboa reconheceu que foi uma decisão dificil.»
O Primeiro-ministro português, José Sócrates e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, autorizaram o sobrevoo de aviões norte-americanos com prisioneiros repatriados da prisão de Guantánamo, ainda que o Governo nunca o tenha reconhecido publicamente. Vários relatórios da embaixada dos EUA de Lisboa entre 2006 e 2009 dão conta das pressões de Washington e da cautela do Governo português para autorizar esses voos. Destaca o jornal que a denúncia da existência de prisões clandestinas na Europa (Roménia e Polónia) e de voos secretos da CIA [3], em que os detidos de origem árabe, suspeitos de terrorismo, eram transferidos clandestinamente em aviões norte-americanos de Guantánamo, levantaram grande polémica em Portugal.
Realça a mensagem que o Embaixador norte-americano envia para Washington a 7 de Setembro de 2007, comunicando que «Sócrates aceitou permitir a repatriação caso por caso, (…) através da Base das Lages», dez dias antes da reunião de Bush com o Primeiro -ministro português. Menciona que este disse que foi uma decisão difícil por causa das criticas de meios de comunicação e de «elementos esquerdistas» (sic) do seu próprio partido.
Mais adiante, a notícia relata o comentário do assessor diplomático de Sócrates Jorge Roza de Oliveira, ao Embaixador Hoffman sobre a socialista Ana Gomes que questionara o Governo sobre os voos: «é uma senhora muito excitada que é pior que um rottweiler solto».
Um telegrama enviado à ainda secretária de Estado Condolezza Rice, dá conta da excelente reputação de Luís Amado junto da Administração norte-americana. Nessa mesma mensagem o embaixador destacava a tradicional lealdade de Portugal, «sócio fundador da OTAN», que apoiou a intervenção no Iraque e recebeu a cimeira dos Açores. Um aliado que permitiu virtualmente livre acesso de apoio às operações no Iraque e Afeganistão. Cerca de 3.000 voos por ano passavam na base da Lages.
(http://www.elpais.com/articulo/internacional/Socrates/aprobo/secreto/vuelos/Guantanamo/elpepuint/20101215elpepuint_32/Tes)
(http://www.elpais.com/articulo/internacional/Cable/EE/UU/pide/autorizacion/usar/base/Lajes/repatriar/prisioneros/Guantanamo/elpepuesp/20101215elpepuint_30/Tes)
Junto com esta notícia constam mais mais seis links para mensagens que poderão ser consultadas no original [4].
NOTAS:
[1] http://databasept.web44.#873164
[2] «Da correspondência com origem em Lisboa, a maioria (415) é informação não classificada, 292 são documentos confidenciais e 15 são secretos. O primeiro telegrama, datado de 24 de Maio de 2006, tem como temas genéricos “Fronteiras entre Estados, Territórios e Soberania”, “Relações Políticas Externas”, “Questões de Política Interna”, “Portugal” e “OSCE” e remete para o Fórum da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa que terminou nesse mesmo dia em Praga. O último, de 25 de Fevereiro deste ano, faz referência a “Terroristas e Terrorismo”, “Comunicações e Sistemas de Correios”, “Condições Económicas” e novamente “Relações Políticas Externas”.» (jornal “Público”)
[3] http://www.elpais.com/articulo/internacional/vuelos/sucios/CIA/elpepuint/20100706elpepuint_8/Tes

http://www.odiario.info/?p=1911 

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