Paulo Kliass
Está em movimento uma importante articulação protagonizada por economistas, professores e pesquisadores de vários países da Europa, por meio de um documento que ficou conhecido como “Manifesto dos Economistas Estarrecidos” (http://atterres.org/?q=node/1)
Passados mais de 2 anos do momento simbólico de deflagração da crise económica actual, a realidade dos países e economias afectadas ao redor do mundo é bastante discrepante. Em meados de Setembro de 2008, a situação das instituições financeiras norte-americanas revelava-se insustentável. A partir da quebra do banco Lehman Brothers, verifica-se uma espécie de efeito-dominó sobre um conjunto de instituições bancárias e de crédito naquele país. É a chamada crise do “sub-prime”, fortemente afectada pelo mercado hipotecário do sector imobiliário e da construção civil.
Os bancos estavam completamente sem lastro em suas operações de empréstimo, os preços dos imóveis viviam um fenómeno de alta de preços irreal e insustentável no longo prazo – a chamada bolha artificial do mercado de imóveis.
No entanto, em função das características do mercado financeiro altamente globalizado, os efeitos da crise nos Estados Unidos logo se fizeram sentir em outras regiões do planeta, como a Europa, a América Latina, a Ásia e África. Tendo iniciado apenas na esfera financeira, logo as consequências da crise vieram também para o chamado sector real, com efeitos sobre a produção de bens e serviços, o nível de emprego, o ritmo de consumo, a dinâmica do comércio internacional (exportações e importações) e sobre a capacidade fiscal dos Estados. Em resumo, a recessão surgiu não apenas como uma ameaça, mas também como uma realidade a ser enfrentada de forma urgente.
A situação dos países integrantes do chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) foi menos influenciada, em razão de características específicas dos mesmos. Sistema financeiro menos desbalanceado do que o norte-americano e o europeu, fôlego para o desenvolvimento de uma saída dirigida para seus próprios mercados internos (em razão de um mercado consumidor muito populoso) e um incremento nas relações comerciais no esquema “sul-sul”, menos dependente das trocas com os países mais afectados pela crise.
Assim, enquanto os países como o Brasil e outros conseguiam já se recuperar em 2009, os Estados Unidos e a Europa permanecem em recessão mais longa, com “crescimento negativo” do PIB (eufemismo delicado do “economês” para descrever a recessão) para 2009 e 2010. Nos países centrais, as políticas adoptadas pelos governos foram no sentido de “salvar” o efeito de quebradeira generalizada do sistema financeiro, por meio de alocação de recursos públicos nas instituições bancárias e de crédito, além de oferecer uma política de isenções e incentivos para as grandes empresas continuarem suas actividades produtivas. Apesar de tais medidas começarem a surtir efeito na América do Norte, a situação do outro lado do Atlântico Norte é bastante mais complexa.
O primeiro aspecto a considerar é o próprio desenho institucional em marcha, o da construção da União Europeia. Apesar dos avanços obtidos em termos da unificação monetária da zona do euro, da consolidação do Banco Central Europeu (BCE), da efectivação da Comissão Europeia e do próprio Parlamento Europeu, o fato é que o processo unificatório ainda está em marcha. A UE é composta de países, com a sua própria institucionalidade social, política e económica, os quais contam com seus próprios Estados – poderes executivo, legislativo e judiciário. Têm seus próprios orçamentos votados em cada Nação e exercem um conjunto de políticas públicas em seus respectivos espaços – por exemplo, a política de impostos. E nessas condições, a urgência de adopção de medidas centralizadas e impostas a um conjunto tão diverso é muito mais difícil de se obter.
Outro aspecto relevante a se considerar é o da correlação de forças políticas existente hoje no chamado Velho Continente. Observou-se no passado recente, em diversas eleições a conformação de maiorias políticas de carácter bastante conservador, com os casos emblemáticos de Berlusconi na Itália, de Sarkozy na França, de Merkel na Alemanha, entre outros. A exemplo dos responsáveis pela política económica nos Estados Unidos, esses governos também foram forçados a abandonar, logo no início da crise, o discurso liberal mais radical. A presença do Estado foi solicitada, na forma de alocação de recursos da UE e de cada orçamento nacional em particular, sempre para socorrer instituições financeiras e oferecer incentivos às empresas.
Mas nem mesmo assim as medidas foram efectivas para afastar os chamados “riscos de contaminação”. As acções especulativas nos mercados financeiros se concentraram em acções nos elos mais frágeis da UE. Assim, encontraram no caso da Espanha, da Irlanda e, logo em seguida, no da Grécia, um conjunto de espaços para proliferar a bolsa de apostas do próximo país a quebrar. A situação de recessão e desemprego está perdurando mais tempo na região europeia e o nível de insatisfação do movimento sindical e da sociedade civil organizada é bastante elevado.
A postura e as propostas que saem de Bruxelas e dos governos nacionais não contribuem para a formulação de uma agenda positiva, que tenha como foco de preocupação também os aspectos sociais da crise actual. Pelo contrário, voltam à cena as antigas propostas do FMI, que pareciam ter sido esquecidas com a retomada das políticas públicas de carácter keynesiano e desenvolvimentista. A receita continua sendo a de obtenção de superávit primário e de aprofundamento dos cortes orçamentários nos sectores que interessam à maioria da população, a exemplo de saúde, previdência, educação, transportes, auxílio desemprego. E permanece o estímulo ao processo de financeirização das economias.
A resistência se dá por meio dos movimentos de protesto e contestação, como ocorre actualmente na França, contra a proposta de reforma do sistema previdenciário. Ou na Alemanha contra as propostas de cortes orçamentários nas áreas sociais, redução do salário-desemprego e demissão de funcionários públicos. Ou na Itália, com os sucessivos escândalos políticos do governo, sempre com propostas impopulares e polémicas, como as reduções de despesas na área social e as restrições aos trabalhadores imigrantes.
E nesse bojo ganha fôlego uma importante articulação protagonizada por economistas, professores e pesquisadores de vários países da Europa, por meio de um documento que ficou conhecido como “Manifesto dos Economistas Estarrecidos” (1). Iniciado na França, a adesão já ultrapassou os limites da própria Europa. E espalhou-se para o conjunto da sociedade, conseguindo apoio inclusive no movimento sindical. Trata-se de mais uma iniciativa de elevada significação política e mobilizatória. Ou seja, os próprios economistas se posicionando e criticando de forma explícita as opções baseadas na ortodoxia liberal. |Assim, o documento afirma com todas as letras que existem, sim! alternativas às proposições originárias dos escritórios da tecnocracia de Bruxelas.
A estrutura do documento dos “economistas estarrecidos” são 10 itens, chamados pelos autores de “falsas evidências”, a partir dos quais eles pretendem demonstrar a ineficiência e a injustiça das propostas ortodoxas. E propõem medidas distintas para buscar solucionar a grave crise por que passam aqueles países. São elas:
Falsa evidência n° 1 – “Os mercados financeiros são eficientes”. Não, a crise demonstrou que os mercados não são eficientes, no sentido de apontar os equívocos de determinadas opções e quadros de irracionalidade. Podem ser eficientes na lógica do capital, mas não na lógica do social.
Falsa evidência n° 2 – “Os mercados financeiros são favoráveis ao crescimento económico”. Não, os mercados financeiros têm uma lógica de atender aos seus próprios interesses, mesmo que isso ocorra às custas dos interesses da maioria da população.
Falsa evidência n° 3 – “Os mercados são bons avaliadores da solvência dos Estados”. Não, os mercados operam com espírito de especulação e buscam ofuscar realidades quando de seu interesse ou provocar crises quando for necessário.
Falsa evidência n° 4 – “A elevação da dívida pública é consequência de um aumento nas despesas”. Não, a maior responsável pelo aumento da dívida pública é a política de concessão de isenções fiscais e benefícios tributários para as grandes empresas. Até pouco antes da eclosão da crise, as contas públicas dos Estados membros da UE mostravam um certo controlo da questão fiscal.
Falsa evidência n° 5 – “É necessário reduzir as despesas para reduzir a dívida pública”. Não, a solução é justamente manter as políticas de despesas públicas em áreas como saúde, educação, previdência, auxílio desemprego e moradia, entre outras, para garantir que a saída da crise a médio prazo não afecte a capacidade dos países nesse tipo de quesito básico.
Falsa evidência n° 6 – “A dívida pública transfere o custo dos excessos actuais para as gerações futuras”. Não, o documento reforça o argumento de que a economia de um país não pode ser tratada como a economia de uma família. O que se faz necessário é alterar a transferência dos beneficiários da crise. Não mais favorecer os especuladores e as grandes empresas, e sim oferecer apoio aos trabalhadores e à maioria da população.
Falsa evidência n° 7 – “É necessário tranquilizar os mercados financeiros para conseguir financiar a dívida pública”. Não, a crise actual não é apenas resultado da intranquilidade do mercado financeiro. Pelo contrário, os Bancos Centrais dos países da EU são proibidos de financiarem seus próprios governos. Estes são obrigados a recorrer a bancos privados e pagar taxas de juros exorbitantes por tais operações.
Falsa evidência n° 8 – “A direcção actual da União Europeia defende o modelo social europeu”. Não, o Manifesto reconhece que existem vários modelos de construção europeia. Mas afirma que a hegemonia actual da direcção em Bruxelas está ancorada em uma visão excessivamente liberal da dinâmica económica. Dessa forma, faz-se necessária a reafirmação de outra estratégia de construção europeia, com maior foco no social e com medidas que evitem que a liberdade absoluta de fluxo de capitais para os espaços exteriores à EU continue a provocar as actuais consequências negativas da crise.
Falsa evidência n° 9 – “O euro é um escudo protector contra crise”. Não, infelizmente aquilo que deveria actuar como instrumento de protecção não se comportou de tal maneira. Apesar da união monetária, o comportamento dos países europeus é muito díspar, de forma que cada um deles acaba adoptando uma estratégia para o enfrentamento da crise. Apenas a existência da moeda unitária não é suficiente. O caminho passa por uma maior centralização na adopção de medidas comuns e no estabelecimento de um sistema de compensações das trocas comerciais entre os países.
Falsa evidência n° 10 – “A crise grega possibilitou finalmente avançar rumo a um governo económico e a uma verdadeira solidariedade europeia”. Não, a crise grega apenas serviu como alerta para a necessidade de medidas contra a ampliação da crise. No entanto, as acções propostas pela Comissão Europeia não reforçaram as medidas de solidariedade na direcção daquele País. Pelo contrário, as exigências impostas ao governo grego foram sempre no sentido de redução dos gastos públicos de carácter social e sem perspectivas de recuperação no médio e longo prazo.
Em resumo, o que se observa é uma saudável iniciativa de crítica aos modelos actualmente vigentes nas decisões tomadas pela Comissão Europeia, mas combinado com um movimento de tornar mais acessível à maioria da população o debate de importantes temas económicos. Decifrar o economês e aproximar os não-economistas desses assuntos é uma tarefa urgente, pois nada é mais carregado de conteúdo político do que as decisões assim chamadas de “técnicas” pelos responsáveis pelas políticas económicas da maioria dos países do mundo. Sim, pois quanto mais a maioria da população se mantiver alheia a esse tipo de discussão, tanto mais fácil será perpetuar a política económica dirigida a beneficiar a minoria.
Os bancos estavam completamente sem lastro em suas operações de empréstimo, os preços dos imóveis viviam um fenómeno de alta de preços irreal e insustentável no longo prazo – a chamada bolha artificial do mercado de imóveis.
No entanto, em função das características do mercado financeiro altamente globalizado, os efeitos da crise nos Estados Unidos logo se fizeram sentir em outras regiões do planeta, como a Europa, a América Latina, a Ásia e África. Tendo iniciado apenas na esfera financeira, logo as consequências da crise vieram também para o chamado sector real, com efeitos sobre a produção de bens e serviços, o nível de emprego, o ritmo de consumo, a dinâmica do comércio internacional (exportações e importações) e sobre a capacidade fiscal dos Estados. Em resumo, a recessão surgiu não apenas como uma ameaça, mas também como uma realidade a ser enfrentada de forma urgente.
A situação dos países integrantes do chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) foi menos influenciada, em razão de características específicas dos mesmos. Sistema financeiro menos desbalanceado do que o norte-americano e o europeu, fôlego para o desenvolvimento de uma saída dirigida para seus próprios mercados internos (em razão de um mercado consumidor muito populoso) e um incremento nas relações comerciais no esquema “sul-sul”, menos dependente das trocas com os países mais afectados pela crise.
Assim, enquanto os países como o Brasil e outros conseguiam já se recuperar em 2009, os Estados Unidos e a Europa permanecem em recessão mais longa, com “crescimento negativo” do PIB (eufemismo delicado do “economês” para descrever a recessão) para 2009 e 2010. Nos países centrais, as políticas adoptadas pelos governos foram no sentido de “salvar” o efeito de quebradeira generalizada do sistema financeiro, por meio de alocação de recursos públicos nas instituições bancárias e de crédito, além de oferecer uma política de isenções e incentivos para as grandes empresas continuarem suas actividades produtivas. Apesar de tais medidas começarem a surtir efeito na América do Norte, a situação do outro lado do Atlântico Norte é bastante mais complexa.
O primeiro aspecto a considerar é o próprio desenho institucional em marcha, o da construção da União Europeia. Apesar dos avanços obtidos em termos da unificação monetária da zona do euro, da consolidação do Banco Central Europeu (BCE), da efectivação da Comissão Europeia e do próprio Parlamento Europeu, o fato é que o processo unificatório ainda está em marcha. A UE é composta de países, com a sua própria institucionalidade social, política e económica, os quais contam com seus próprios Estados – poderes executivo, legislativo e judiciário. Têm seus próprios orçamentos votados em cada Nação e exercem um conjunto de políticas públicas em seus respectivos espaços – por exemplo, a política de impostos. E nessas condições, a urgência de adopção de medidas centralizadas e impostas a um conjunto tão diverso é muito mais difícil de se obter.
Outro aspecto relevante a se considerar é o da correlação de forças políticas existente hoje no chamado Velho Continente. Observou-se no passado recente, em diversas eleições a conformação de maiorias políticas de carácter bastante conservador, com os casos emblemáticos de Berlusconi na Itália, de Sarkozy na França, de Merkel na Alemanha, entre outros. A exemplo dos responsáveis pela política económica nos Estados Unidos, esses governos também foram forçados a abandonar, logo no início da crise, o discurso liberal mais radical. A presença do Estado foi solicitada, na forma de alocação de recursos da UE e de cada orçamento nacional em particular, sempre para socorrer instituições financeiras e oferecer incentivos às empresas.
Mas nem mesmo assim as medidas foram efectivas para afastar os chamados “riscos de contaminação”. As acções especulativas nos mercados financeiros se concentraram em acções nos elos mais frágeis da UE. Assim, encontraram no caso da Espanha, da Irlanda e, logo em seguida, no da Grécia, um conjunto de espaços para proliferar a bolsa de apostas do próximo país a quebrar. A situação de recessão e desemprego está perdurando mais tempo na região europeia e o nível de insatisfação do movimento sindical e da sociedade civil organizada é bastante elevado.
A postura e as propostas que saem de Bruxelas e dos governos nacionais não contribuem para a formulação de uma agenda positiva, que tenha como foco de preocupação também os aspectos sociais da crise actual. Pelo contrário, voltam à cena as antigas propostas do FMI, que pareciam ter sido esquecidas com a retomada das políticas públicas de carácter keynesiano e desenvolvimentista. A receita continua sendo a de obtenção de superávit primário e de aprofundamento dos cortes orçamentários nos sectores que interessam à maioria da população, a exemplo de saúde, previdência, educação, transportes, auxílio desemprego. E permanece o estímulo ao processo de financeirização das economias.
A resistência se dá por meio dos movimentos de protesto e contestação, como ocorre actualmente na França, contra a proposta de reforma do sistema previdenciário. Ou na Alemanha contra as propostas de cortes orçamentários nas áreas sociais, redução do salário-desemprego e demissão de funcionários públicos. Ou na Itália, com os sucessivos escândalos políticos do governo, sempre com propostas impopulares e polémicas, como as reduções de despesas na área social e as restrições aos trabalhadores imigrantes.
E nesse bojo ganha fôlego uma importante articulação protagonizada por economistas, professores e pesquisadores de vários países da Europa, por meio de um documento que ficou conhecido como “Manifesto dos Economistas Estarrecidos” (1). Iniciado na França, a adesão já ultrapassou os limites da própria Europa. E espalhou-se para o conjunto da sociedade, conseguindo apoio inclusive no movimento sindical. Trata-se de mais uma iniciativa de elevada significação política e mobilizatória. Ou seja, os próprios economistas se posicionando e criticando de forma explícita as opções baseadas na ortodoxia liberal. |Assim, o documento afirma com todas as letras que existem, sim! alternativas às proposições originárias dos escritórios da tecnocracia de Bruxelas.
A estrutura do documento dos “economistas estarrecidos” são 10 itens, chamados pelos autores de “falsas evidências”, a partir dos quais eles pretendem demonstrar a ineficiência e a injustiça das propostas ortodoxas. E propõem medidas distintas para buscar solucionar a grave crise por que passam aqueles países. São elas:
Falsa evidência n° 1 – “Os mercados financeiros são eficientes”. Não, a crise demonstrou que os mercados não são eficientes, no sentido de apontar os equívocos de determinadas opções e quadros de irracionalidade. Podem ser eficientes na lógica do capital, mas não na lógica do social.
Falsa evidência n° 2 – “Os mercados financeiros são favoráveis ao crescimento económico”. Não, os mercados financeiros têm uma lógica de atender aos seus próprios interesses, mesmo que isso ocorra às custas dos interesses da maioria da população.
Falsa evidência n° 3 – “Os mercados são bons avaliadores da solvência dos Estados”. Não, os mercados operam com espírito de especulação e buscam ofuscar realidades quando de seu interesse ou provocar crises quando for necessário.
Falsa evidência n° 4 – “A elevação da dívida pública é consequência de um aumento nas despesas”. Não, a maior responsável pelo aumento da dívida pública é a política de concessão de isenções fiscais e benefícios tributários para as grandes empresas. Até pouco antes da eclosão da crise, as contas públicas dos Estados membros da UE mostravam um certo controlo da questão fiscal.
Falsa evidência n° 5 – “É necessário reduzir as despesas para reduzir a dívida pública”. Não, a solução é justamente manter as políticas de despesas públicas em áreas como saúde, educação, previdência, auxílio desemprego e moradia, entre outras, para garantir que a saída da crise a médio prazo não afecte a capacidade dos países nesse tipo de quesito básico.
Falsa evidência n° 6 – “A dívida pública transfere o custo dos excessos actuais para as gerações futuras”. Não, o documento reforça o argumento de que a economia de um país não pode ser tratada como a economia de uma família. O que se faz necessário é alterar a transferência dos beneficiários da crise. Não mais favorecer os especuladores e as grandes empresas, e sim oferecer apoio aos trabalhadores e à maioria da população.
Falsa evidência n° 7 – “É necessário tranquilizar os mercados financeiros para conseguir financiar a dívida pública”. Não, a crise actual não é apenas resultado da intranquilidade do mercado financeiro. Pelo contrário, os Bancos Centrais dos países da EU são proibidos de financiarem seus próprios governos. Estes são obrigados a recorrer a bancos privados e pagar taxas de juros exorbitantes por tais operações.
Falsa evidência n° 8 – “A direcção actual da União Europeia defende o modelo social europeu”. Não, o Manifesto reconhece que existem vários modelos de construção europeia. Mas afirma que a hegemonia actual da direcção em Bruxelas está ancorada em uma visão excessivamente liberal da dinâmica económica. Dessa forma, faz-se necessária a reafirmação de outra estratégia de construção europeia, com maior foco no social e com medidas que evitem que a liberdade absoluta de fluxo de capitais para os espaços exteriores à EU continue a provocar as actuais consequências negativas da crise.
Falsa evidência n° 9 – “O euro é um escudo protector contra crise”. Não, infelizmente aquilo que deveria actuar como instrumento de protecção não se comportou de tal maneira. Apesar da união monetária, o comportamento dos países europeus é muito díspar, de forma que cada um deles acaba adoptando uma estratégia para o enfrentamento da crise. Apenas a existência da moeda unitária não é suficiente. O caminho passa por uma maior centralização na adopção de medidas comuns e no estabelecimento de um sistema de compensações das trocas comerciais entre os países.
Falsa evidência n° 10 – “A crise grega possibilitou finalmente avançar rumo a um governo económico e a uma verdadeira solidariedade europeia”. Não, a crise grega apenas serviu como alerta para a necessidade de medidas contra a ampliação da crise. No entanto, as acções propostas pela Comissão Europeia não reforçaram as medidas de solidariedade na direcção daquele País. Pelo contrário, as exigências impostas ao governo grego foram sempre no sentido de redução dos gastos públicos de carácter social e sem perspectivas de recuperação no médio e longo prazo.
Em resumo, o que se observa é uma saudável iniciativa de crítica aos modelos actualmente vigentes nas decisões tomadas pela Comissão Europeia, mas combinado com um movimento de tornar mais acessível à maioria da população o debate de importantes temas económicos. Decifrar o economês e aproximar os não-economistas desses assuntos é uma tarefa urgente, pois nada é mais carregado de conteúdo político do que as decisões assim chamadas de “técnicas” pelos responsáveis pelas políticas económicas da maioria dos países do mundo. Sim, pois quanto mais a maioria da população se mantiver alheia a esse tipo de discussão, tanto mais fácil será perpetuar a política económica dirigida a beneficiar a minoria.
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