Luís Gomes
Dominado pelo Grupo Amorim, o sector corticeiro que representa quase dois por cento do PIB e mais de metade da produção mundial está a impor salários em atraso e a incorrer em falências fraudulentas, acusou o Sindicato dos Corticeiros que promoveu uma semana de protestos no distrito de Aveiro. No dia 31, centenas de trabalhadores manifestaram-se em Santa Maria da Feira até ao Tribunal do Trabalho, culminando a semana de luta «Pelo emprego e pela justa valorização dos salários».
A «Maratona de protesto pelo emprego e pela justa valorização dos salários» levou os operários com salários e remunerações em atraso no sector, no distrito de Aveiro, a cumprirem uma vigília, dia e noite, iniciada dia 27 de Julho diante da sede da associação patronal do sector, em Santa Maria de Lamas, que acusam de demonstrar um grande desprezo pelos direitos e a dignidade dos operários ao seu serviço.
A delegação sindical não foi recebida por ninguém no Tribunal do Trabalho, tendo os trabalhadores decidido prosseguir com esta justa luta, deixando em aberto a possibilidade de voltar a adoptar acções semelhantes, num futuro próximo, como garantiu, no fim da acção, o dirigente do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte, Germano Gonçalves,«porque só quando os trabalhadores pressionam e lutam saindo à rua, os resultados acabam por aparecer», afirmou.
Na noite anterior, os trabalhadores da Facol, Oliveira e Sousa e do Grupo Suberus, com muitos dos seus familiares, além de dirigentes e activistas do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte, da CGTP-IN, e de uma delegação solidária do PCP e da CDU com o deputado comunista, Honório Novo, percorreram as ruas da Feira, procurando sensibilizar a população para a sua situação.
Todas as acções da «Maratona» pretenderam «alertar para o arrastar de meses de remunerações em atraso que estão a deixar na penúria centenas de operários que deram o melhor das suas vidas e do seu trabalho para que a cortiça tenha o prestígio e a qualidade que lhe é reconhecida, enquanto produto nacional», salientou Alírio Martins, dirigente do Sindicato dos Corticeiros, durante a manifestação que partiu do quartel de Bombeiros Voluntários da Feira deslocando-se, depois, ao Tribunal.
Nove meses sem salários
Situação social e humanamente mais complicada, e quase medieval, como a feira que tantos turistas atrai àquela cidade é a vivida na Facol, onde «cerca de 50 trabalhadores, com nove meses de salários em atraso, estão a rescindir ou a suspender os contratos», recordou o mesmo dirigente sindical.
«Trabalhei 40 anos nesta empresa e é assim que eles me compensam», lamentou-se uma trabalhadora que, salvaguardando-se de represálias patronais, optou por não nos dar o seu nome, salientando a forma como ela e os seus companheiros têm «sobrevivido com a ajuda possível e limitada da família e de pessoas amigas». «O problema da Facol não é a falta de dinheiro mas uma guerra entre dois gestores que nos apanhou no meio», explicou outra operária. «Só pedimos o nosso pão, mas nem isso nos querem dar», afirmou outra, acrescentando, «eles dizem não ter dinheiro mas eu acho é que eles têm tanto que não sabem o que lhe fazer».
Também uma trabalhadora há 15 anos na insolvente Subercor, do Grupo Suberus, em Louzelos, recordou como foram estragadas as férias de todos os cerca de 120 trabalhadores, por não terem sido pagos, integralmente, os respectivos subsídios, depois de terem tido em atraso o subsídio de Natal e os meses de Dezembro e Janeiro, só pagos, em parte, pelo gestor judicial, estando por pagar o resto das remunerações e as indemnizações. «Viemos embora sem dinheiro nenhum», afirmou outra operária.
Quase todas mulheres, salvo três operários, as trabalhadoras da Facol têm sobrevivido também graças ao escassos mas importantes apoios da acção social camarária, com cabazes de alimentos, situação que nos foi confirmada pelas trabalhadoras, junto à porta do Tribunal, onde deram largas à sua indignação e protesto, com apitos e palavras de ordem.
Uma providência cautelar relativa à Facol foi aceite por aquele tribunal. Após um inventários feito, constatou-se que «ela está intacta e mantém a maquinaria», revelou Alírio Martins. A isso não é alheia a constante vigília, noite e dia, das trabalhadoras, diante da empresa, para impedir a saída de materiais.
As mulheres, na Facol, auferiam 570 euros de salário, e os homens, mais 85 euros.
No ano passado, foi firmado um acordo a garantir o fim progressivo da discriminação salarial até 2015, «mas a administração tem usado esse acordo como argumento para não proceder a quaisquer actualizações salariais, depois de terem passado anos a explorar estas mulheres», recordou Alírio Martins. Aquele acordo foi firmado pelos sindicatos da UGT, mas ao notar a omissão de parte da matéria acordada no documento final, o Sindicato dos Corticeiros do Norte recusou firmá-lo. Também por esse motivo estava agendada, para anteontem, uma reunião de mediação no Ministério do Trabalho.
No acordo, uma das fases da aproximação salarial estava agendada para o período entre Junho e Maio, «mas não foi cumprida, ainda, por nenhuma empresa», garantiu o dirigente sindical.
Ao serviço do grande capital
«Durante uma semana, os trabalhadores foram-se revezando por turnos, à porta da Associação Portuguesa de Cortiça, APCOR, de que são sócias uma série de empresas que, neste Tribunal, têm obtido constantemente decisões a seu favor», esclareceu Alírio Martins. Apesar de serem cada vez mais as situações de insolvência levadas àquele tribunal, «não conhecemos nenhuma, até agora, que tenha esbarrado com alguma decisão judicial, embora muitas acabem por resultar em falências fraudulentas que deixam os trabalhadores sem sustento e sem trabalho», afirmou, salientando como «muitas acabam por reabrir, depois, com outro nome e na mesma região».
«Este Tribunal está exclusivamente ao serviço do grande capital resultante deste sector dominado pelo Grupo Amorim», acusou Alírio Martins. Quando se dão as falências, «os trabalhadores recorrem ao fundo de desemprego e às indemnizações, mas essas são pagas pelo Orçamento do Estado e não pelo sector, que tem todas as condições para assumir esses encargos, mas o Tribunal nunca o decidiu, em nenhum caso».
Quanto ao comportamento da Autoridade para as Condições de Trabalho, «temos notado uma certa incapacidade para actuarem», considerou.
Ainda Manuel Pinho
«Neste sector há muitas situações com forte indícios de gestão fraudulenta», salientou Alírio Martins, recordando, como exemplo, a ida, há apenas três meses, do ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, a uma empresa do sector, à Abel da Costa Tavares, aquando da apresentação do Plano de Apoio à Indústria da Cortiça, PAIC, de 180 milhões de euros. «Com 170 trabalhadores e em situação de insolvência, a empresa tem, actualmente, um “buraco” financeiro de dezenas de milhões de euros e até sabemos quem são os credores dessa dívida», acusou o dirigente sindical, salientando que o sindicato pretende saber se essa empresa foi uma das beneficiadas com as verbas daquele Plano, pois que «tinha responsabilidades com uma fornecedora de matérias-primas com mais de 200 trabalhadores, e que acabou por falir».
Avante - 06.08.09
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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