À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

13/05/2010

(Des-)conhecimento do papel da extorsão de mais-valias

Francisco Silva

Parece-me claro (devo assumir a responsabilidade do que digo, seja por via oral, seja por escrito!) que relativamente ao conhecimento científico, ao conhecimento do tipo outro, outro, isto é, diferente - como diria Armando de Castro, e espero não o estar a trair - do conhecimento corrente e do conhecimento filosófico, portanto, do conhecimento científico, isto é, das actividades próprias à construção de teorias explicativas dos fenómenos, das realidades, que são o seu objecto, dizia, que me parece claro não ter ainda o gigantesco salto - «corte epistemológico» - efectuado por Karl Marx ao introduzir na área de conhecimento científico económico o conceito de «Mais-Valia», enquanto diferença entre o valor de troca produzido pelos trabalhadores e os salários afinal recebidos, e quando bem mostrou a centralidade indispensável do papel «Mais-Valia» na caracterização do modo de produção capitalista, parece-me pois claro que esta compreensão ainda hoje não fez carreira suficiente nas sociedades. E não fez carreira suficiente nas sociedades, não obstante a evidência, generalidade e eficácia com que o fenómeno é registável na actualidade. Até parece mentira como tal fenómeno não entra pelos olhos dentro das pessoas... e tão mentira parece que, por vezes, mais julgo que as pessoas, mesmo compreendendo que a extorsão de mais-valia aos trabalhadores é a base vital do capitalismo, fazem todos os possíveis para aceitarem passar por tolas, não vá o diabo tecê-las num ambiente com uma correlação de forças tão desfavorável.
Perguntarão a que vem este arrazoado. Que não será tanto assim, que os possíveis leitores destas linhas até conhecem esta questão. Que estou a ensinar o Padre-Nosso ao Cura. Que se trata de arrogância do escrevente... etc, etc.
O que me levou a escrever isto foi a questão dos prémios do Mexia, e dos outros mexias todos, portugueses e outros, que inundou todos os debates como se fosse o problema principal. Que, dizem muitos, o que se gasta com tais senhores é que impede que os que ganham pouco passem a ganhar um pouco mais, porque o dinheiro assim não chega para todos, e assim por diante. Outros, cinicamente, hipócritas, alimentando a conversa, dizem que afinal os prémios do Mexia até são coisa boa porque fazem entrar mais impostos nos cofres do Estado: caem os défices, fica-se com mais dinheiro para a Educação, a Saúde, para pensões, para subsídios de desemprego, sei lá que mais. Outros, muito moralisticamente, como se estas questões se resolvessem com base em tais morais e quejandas hipocrisias, que é um exagero, que se deviam coibir de distribuir e receber tais prémios... uma tal injustiça social... e todos, de todo o espectro político, são primeirinhos a defender a Justiça Social (aliás, como dizem muitos paladinos da direita não será pela defesa da Justiça Social, antes pelo contrário, que se distingue entre direita e esquerda, antes, sim, pela questões «fracturantes» como é caso dos casamentos entre homossexuais)... enfim, paliativos para acalmar a malta, não é?
O que nunca se fala é da «Mais-Valia», nada de tocar em tão sagrada questão. As mais-valias são de quem delas «legalmente» se abarbatou, nada a fazer. O que também poderiam ao menos referir, podemos e devemos todos fazê-lo, lucidamente, é que os prémios e os salários muito altos, abissalmente altos, se assim se pode dizer, são parte da massa salarial e se os «mexíacos» prémios não forem atribuídos diminui é a massa salarial e aumenta a massa de mais-valia... não será assim? Melhor seria todos os mexias do Mundo receberem os tais prémios e estes serem taxados a 100%... iam diminuir os tais défices, contribuir para a Educação, Saúde, pensões e subsídios de desemprego.
O que também nunca se fala, se disfarça, é que coisas são essas que os CEOs e acólitos principais fazem para receber valores tão elevados. O que não se fala é que eles, enquanto empregados mais importantes dos patrões propriamente ditos, são os garantes da maximização dos lucros dos donos, a qual, nos últimos tempos, é realizada sobretudo através da diminuição das massas salariais, tanto na contenção e redução dos salários dos que têm postos de trabalho, como no «emagrecimento» das empresas, no lay-off dos trabalhadores ou nos outros métodos de redução de recursos/activos humanos, que têm constituído na realidade a mola real das tão decantadas inovação, produtividade, competitividade com que nos enchem os ouvidos até à exaustão.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33554&area=35

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails