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12/11/2011

Loucura e malvadez não!

Carvalho da Silva

Durante esta semana e nestes últimos dias de discussão do Orçamento de Estado (OE), que coincidiram com noticias cada vez mais preocupantes sobre o descalabro da União Europeia (U.E.), fui interpelado por várias pessoas, desde empresários a trabalhadores de diversas áreas que, analisando o que se está a passar, me disseram "estes tipos estão loucos" ou, "o que se passa é uma loucura".
Como sujeitos destas expressões surgiam em relevo os nossos governantes e os responsáveis da U.E. Já na identificação das práticas de malvadez inerente a esses actos de "loucura", o leque alargava-se a práticas dos "mercados", a actuações de sectores dominantes do poder financeiro e económico e dos senhores da Banca ou do Banco Central Europeu, a "vendedores" das teorias da intensificação da exploração e do empobrecimento.
Cresce a consciência da gravidade da situação para onde o país e o projecto europeu foram encaminhados. Entretanto, a contestação e a indignação vão-se transformando em protesto com expressão colectiva forte.
Rousseau, autor de "O Contrato Social", escreveu no século XVII: "O forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, a menos que transforme a força em direito e a obediência em dever".
Esta observação está actual. Se queremos encontrar rumos de futuro numa sociedade que continuará a ter o trabalho em lugar central e por isso a necessitar de ser valorizado, se queremos defender direitos sociais que dão dignidade e qualidade à nossa vida, se queremos uma economia com racionalidade e eficácia ao serviço das pessoas, do desenvolvimento e da soberania de Portugal temos de dar forte combate à ideologia dominante, temos de dizer aos senhores que nos têm explorado e nos querem empobrecer aceleradamente que a sua força não se imporá como direito autoritário e antidemocrático e será derrotada, que não aceitaremos que os seus interesses egoístas se transformem em lei, que exerceremos o direito de definir e construir o rumo das nossas vidas.
A submissão inerente à transformação da "obediência em dever" humilha os seres humanos e nega a democracia, por isso há que colocar na ordem do dia o exercício do pensar e agir, a exigência da verdade na governação, o direito de participação activa e proponente de homens e mulheres livres que somos, para assim se construírem alternativas.
Os governantes europeus mentiram-nos sobre os objectivos e o rumo a que nos conduziriam os compromissos e tratados que nos foram impondo. Hoje é de enorme hipocrisia e malvadez tentarem esconder aos povos o que andam a preparar para aniquilar o projecto europeu de harmonização social no progresso, de solidariedade e de coesão que nos era apresentado.
Na U.E., como em Portugal, é perverso o ataque ao Estado Social. Primeiro, porque esse foi um pilar estruturante do nosso desenvolvimento e factor de esperança e de mobilização de povos de outras regiões do mundo. Segundo, porque este ataque pode constituir-se em factor de instabilidade e de conflitualidade social generalizada e, até, transformar-se em fermento de conflitos muito mais graves, porque nas sociedades modernas os direitos sociais são fundamentais para a sua coesão e para relações estáveis entre os povos.
É de uma enorme malvadez para com os portugueses a persistência do nosso Governo em impor pacote atrás de pacote de politicas de austeridade e de empobrecimento propositado dos portugueses, quando está provado que não é por essa via que podemos resolver os problemas. É chocante o carácter retrógrado e incongruente dos argumentos expostos para justificar a violência e a injustiça de muitas dessas medidas.
É perverso discutir um Orçamento do Estado debaixo de projecções macroeconómicas falsas, submetido a uma concepção de U.E. que já não existe e a efeitos e funções de uma moeda única (o euro) que comprovadamente estão subvertidas.
Precisamos do debate social, económico, cultural e político feito com verdade e com a participação das pessoas e das suas organizações, sobre um projecto de desenvolvimento do país com ou sem euro, mas para servir o povo.

http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=2118246&opiniao=Carvalho%20da%20Silva

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