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19/01/2009

Governo utiliza empresas públicas para reduzir o défice orçamental, endividando-as e arrastando-as para a situação de falência técnica

Eugénio Rosa

RESUMO
Os principais jornais diários portugueses divulgaram recentemente em grandes títulos, alguns deles na 1ª página, que as dividas das empresas públicas atingiam 17.500 milhões de euros. E, como é habitual em muitos media portugueses, não explicaram por que razão isso acontecia, podendo criar nos leitores a falsa ideia que isso resultava de serem empresas públicas. Está-se assim perante aquilo a que Phippe Breton designa por "enquadramento manipulatório", pois uma analise objectiva das causas de tais dividas levam a conclusões bem diferentes.

Existem impostos cuja cobrança se justifica porque são necessários precisamente para financiar as infra-estruturas dos transportes. São nomeadamente o Imposto Automóvel (IA), agora designado Imposto sobre os Veículos (ISV), e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP). No período 2005-2009, as receitas obtidas pelo Estado, através do IA/ISV e do ISP, deverão atingir 20.051,6 milhões de euros de acordo com os dados dos Relatórios dos OE 2005-2009.

Apesar de arrecadar mais de 20.000 milhões de euros de receitas com estes dois impostos, as dotações orçamentais atribuídas por este governo às empresas públicas de transportes para o financiamento de infra-estruturas e aquisição de material circulante têm sido manifestamente insuficientes. Entre 2005 e 2009. as transferências do Orçamento do Estado para as empresas públicas de transportes (REFER, CP, Carris, Metro, etc), para financiamento de infra-estruturas e aquisição de material circulante, atingirão apenas 2.289,5 milhões de euros. Como consequência, as empresas públicas de transportes serão obrigadas a se endividarem em mais 3.773 milhões de euros (mais 63% do que o transferido do Orçamento do Estado), no período 2005-2009, só para poderem cumprir o programa de investimentos constante do PIDDAC, ou seja, o programa mais importante de investimentos do Estado.

Como consequência da insuficiência das transferências do Orçamento do Estado, as dividas aos bancos apenas de quatro empresas públicas de transportes (REFER, CP, Carris e Metro de Lisboa) atingiam, já no fim de 2007, 7.983,2 milhões de euros, e os juros pagos por estas empresas totalizaram, só em 2007, 444,7 milhões de euros. Estes elevados montantes de juros contribuíram para que estas quatro empresas tivessem tido, em 2007, 532 milhões de euros de prejuízos. Esta situação provocou que estas quatro empresas públicas apresentassem em 2007 "Situações Liquidas" e "Capitais Próprios" negativos, isto é, o seu "Activo" (aquilo que possuíam mais o que tinham a receber) já não era suficiente para pagar o seu "Passivo" (tudo o que deviam), pois o seu "Passivo"já era superior ao seu "Activo" em 3.272,5 milhões de euros, , o que significava que, já em 2007, aquelas quatro empresas estivessem tecnicamente falidas. É arrastando as empresas públicas de transportes para a situação de falência técnica, que este governo tem conseguido também reduzir o défice orçamental.

Mesmo as indemnizações compensatórias a que as empresas de transportes públicas têm direito a receber por prestarem à população serviços a um preço inferior ao seu custo são pagas "tarde e a más horas". Por ex., as 2008 só começaram a ser pagas a partir de Outubro deste ano (Parecer do Tribunal de Contas, pág. 7), o que agravou as dificuldades financeiras destas empresas.

Uma das mensagens que este governo e os seus defensores nos media têm procurado fazer passar é que as empresas públicas são um "sorvedouro" de dinheiro para o Orçamento do Estado. No entanto, de acordo com o Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado de 2007, no período 2003-2007, a despesas do Estado com "apoios financeiros não reembolsáveis" às empresas publicas atingiram 5.655 milhões de euros, mas às empresas privadas já somaram 6.694,1 milhões de euros, ou seja, mais 1.000 milhões de euros (pág. 104). Portanto, o apoio financeiro do Estado às empresas privadas foi bastante superior ao concedido às empresas públicas. Por isso, não se pense que este apoio só teve lugar recentemente (mais de 24.000 milhões à banca, mais de 1.300 milhões de euros à Quimonda e sector automóvel, etc). Normalmente os media falam do apoio do Estado às empresas públicas mas "esquecem-se" de falar, fora de períodos de crise como é o actual, do apoio do Estado às empresas privadas. È a informação de dois pesos e de duas medidas que temos em Portugal.

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No dia 13 de Janeiro de 2008, os principais jornais diários portugueses, utilizando o relatório da "Auditoria aos débitos e ao prazo médio de pagamento das Empresas Públicas", publicado pelo Tribunal de Contas, que está disponível no seu sitio na Internet, publicaram grandes títulos, alguns na 1ª pagina, em que se podia ler: "Empresas do sector público com dividas de 17.500 milhões" (Público) ; "Dividas das empresas públicas superam 11% do PIB nacional" (Diário Económico).

Mas como é habitual, esses mesmos jornais não investigaram, nem contextualizaram, nem explicaram por que razão isso sucede. E embora não tenham afirmado expressa e directamente isso, poderão ter criado nos leitores a falsa ideia de que isso sucedia pela simples razão de serem empresas públicas. Philippe Breton, no seu livro "A palavra manipulada", classifica aquela forma de apresentar a noticia como uma forma de manipulação, designando-o por "enquadramento manipulatório" que "consiste em ordenar os factos de tal modo que da nova imagem da realidade resulte a convicção em bases de certo modo falsas". (pág. 114).

Efectivamente, se aqueles jornais se tivessem dado ao trabalho de investigar, de saber por que razão as empresas públicas, nomeadamente as de transportes, apresentam dividas elevadas, e se explicassem isso aos leitores, naturalmente a percepção da realidade que os leitores obteriam seria certamente muito diferente da que obtiveram com a leitura daquela noticia como foi publicada.

Neste estudo vamos procurar explicar por que razão as empresas publicas de transporte, que são as que apresentam maiores dividas, estão endividadas e, algumas delas, até já tecnicamente falidas.

IMPOSTOS SOBRE OS TRANSPORTES SOMAM MAIS DE 20.000 MILHÕES DE EUROS COM ESTE GOVERNO

Existem impostos cuja cobrança se justifica porque são necessários para financiar despesas com as infra-estruturas dos transportes. São os casos, nomeadamente do Imposto Automóvel (IA), agora designado Imposto sobre os Veículos (ISV), e do Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP). As receitas destes dois impostos durante o período deste governo, ou seja, no período 2005-2009, consta do quadro seguinte, que foi construído com dados dos Orçamentos de Estado apresentados por este governo.

Tabela 1.

No período 2005-2009, as receitas do Estado, só com o actual Imposto sobre Veículos e o Imposto sobre Produtos Petrolíferos atingirão, 20.051,6 milhões de euros. E neste valor não está incluído a chamada "contribuição de serviço rodoviária" , criada pela Lei nº 51/2007, que é uma parcela do ISP, que é desviada directamente para a empresa Estradas de Portugal sem passar pelo Orçamento do Estado e que, por isso, não está incluída nos valores do quadro I. Esta "contribuição de serviço rodoviário", só nos anos de 2008 e 2009, representa mais 1.113 milhões de euros. E tudo isto ainda não inclui o chamado Imposto de circulação, cuja receita reverte integralmente para as Autarquias e que, também por isso, não entra no Orçamento do Estado.

GOVERNO REDUZ DOTAÇÕES DO ORÇAMENTO DO ESTADO PARA EMPRESAS PÚBLICAS DE TRANSPORTES DESTINADAS A INVESTIMENTO PARA REDUZIR DÉFICE ORÇAMENTAL

Apesar de obter só para o Orçamento do Estado mais de 20.000 milhões de euros de receitas com impostos que incidem sobre o sector de transportes, as dotações do Orçamento do Estado atribuídas por este governo às empresas publicas de transportes para o financiamento de infra-estruturas e aquisição de material circulante têm sido manifestamente insuficientes como revela o quadro seguinte construído com dados constantes dos Relatórios que acompanharam os Orçamentos do Estado para o período 2005-2009.

Tabela 2.

Assim, no período compreendido entre 2005 e 2009, as transferências do Orçamento do Estado para as empresas públicas de transportes (REFER, CP, Carris, Metro, etc), para financiamento de infra-estruturas e aquisição de material circulante, somarão somente 2.289,5 milhões de euros, sem incluir a "contribuição por serviço rodoviário", que é uma parcela das receitas do ISP desviadas directamente apenas para as Estradas de Portugal, quando as receitas obtidas directamente pelo Orçamento do Estado de impostos que incidem sobre os transportes, durante o mesmo período (2005-2009),sem incluir também aquela mesma "contribuições por serviço rodoviário, totalizarão mais de 20.000 milhões de euros. Como consequências as empresas públicas de transportes serão obrigadas a se endividarem em 3.773,4 milhões de euros (mais 63% que o transferido do Orçamento do Estado), durante o mesmo período 2005-2009, para poderem cumprir só o programa de investimentos constante do PIDDAC, ou seja, o programa mais importante de investimentos do Estado.

É evidente que é transferindo do Orçamento do Estado para as empresas públicas de transportes dotações insuficientes para financiar as infra-estruturas de transporte e a aquisição de material circulante, ou seja, através desta engenharia financeira, que este governo tem conseguido também reduzir o défice orçamental. Mas esta politica está a determinar o agravamento vertiginosos do endividamento das empresas públicas de transporte e a sua, consequente, degradação financeira.

GOVERNO PROVOCA FALENCIA TECNICA DAS EMPRESAS PÚBLICAS DE TRANSPORTE

O aumento do endividamento das empresas públicas, determinado pela politica deste governo dominada pela obsessão de reduzir o défice orçamental, está a provocar o aumento rápido das despesas das empresas públicas de transportes com o pagamento de juros. como revela o quadro seguinte.

Tabela 3.

As dívidas aos bancos apenas destas quatro empresas públicas de transportes atingiam, no fim de 2007, 7.983,2 milhões de euros, tendo aumentado mais de 600 milhões euros entre 2006 e 2007. Como consequência, os encargos financeiros, ou seja, os juros pagos por estas empresas alcançaram, em 2006, 367,2 milhões de euros e, em 2007, 444,7 milhões de euros, um aumento de 77,4 milhões de euros de juros em apenas num ano.

Estes elevados montantes de juros determinaram, por sua vez, que as quatro empresas públicas de transportes tivessem tido, em 2006 e em 2007, mais de 530 milhões de euros de prejuízos em cada um destes anos. Esta situação provocou que estas quatro empresas públicas apresentassem em 2007, "Situações Liquidas" e "Capitais Próprios" negativos", isto é que o seu "Activo" (aquilo que possuíam mais o que tinham a receber) já não era suficiente para pagar o seu "Passivo" (tudo o que devem), pois as suas dividas eram já superiores a tudo que possuíam e que tinham a receber em 3.272,5 milhões de euros, o que significava que todas elas já estivessem tecnicamente falidas em 2007. É arrastando as empresas públicas para a situação de falência técnica que este governo tem conseguido também reduzir o défice orçamental.

A manutenção desta situação de falência técnica é insustentável e levará inevitavelmente ao aumento dos preços dos transportes públicos e de impostos necessários para financiar o "buraco financeiro" que a politica deste governo esta a provocar nas empresas públicas.

OS SUBSIDIOS DO ESTADO ÀS EMPRESAS PRIVADAS É SUPERIOR AOS CONCEDIDOS ÀS EMPRESAS PÚBLICAS

Uma das mensagens que este governo e os seus defensores nos media têm procurado fazer passar é que as empresas públicas são um "sorvedouro" de dinheiro para o Orçamento do Estado. No entanto, no período 2003-2007, portanto antes da crise, o apoio às empresas do sector privado foi bastante superior ao das empresas públicas como mostra o quadro seguinte, construído com dados constantes do Parecer do Tribunal de Contas sobre a CGE de 2007.

Tabela 4.

Entre 2003 e 2007, de acordo com o Tribunal de Contas, a despesa do Estado com apoios financeiros não reembolsáveis a empresas publicas somou 5.656 milhões de euros, mas a empresas privadas atingiu 6.694,3 milhões de euros, ou seja, mais de 1.000 milhões de euros do que a empresas públicas. E aos bancos e outros instituições financeiras esta despesa do Estado também não reembolsável alcançou 1.537,6 milhões de euros.

Por outro lado, em 2007, só em subsídios não reembolsáveis a empresas privadas o Estado despendeu 519,2 milhões de euros, enquanto os subsídios a empresas publicas somaram 402,2 milhões de euros (pág. 105 do Parecer do Tribunal de Contas). Por aqui se vê bem quem é o "sorvedouro" de dinheiros do Orçamento do Estado de que normalmente os media não falam.

Mesmo as indemnizações compensatórias a que as empresas públicas de transportes colectivos têm direito por prestarem à população um serviço a preços inferiores aos seus custos tem sido pagas por este governo "tarde e a más horas". No Parecer do Tribunal de Contas, na pág. 7, sobre esta questão lê-se o seguinte: "A titulo de exemplo, assinale-se que, apenas em 9 de Outubro de 2008, foi aprovada a Resolução do Conselho de Ministros que promove a distribuição das indemnizações compensatórias para 2008, pelas empresas prestadoras de serviço público, o que significa dez meses em que as empresas prestaram tais serviços, sem auferir as compensações a que têm direito. Estão neste caso as empresas do sector de transportes e comunicações"

E no seu Parecer, o Tribunal de Contas ainda acrescenta o seguinte: "Não pode, porém deixar de se salientar que os estrangulamentos causados pelo próprio Estado às suas empresas pela não disponibilização tempestiva das verbas que lhe são devidas …. vai, certamente, forçar a maior recurso ao endividamento bancário para acorrer a necessidades de tesouraria" (pág. 7), inevitavelmente com elevados custos financeiros para estas empresas. Mas estes pontos do Parecer do Tribunal de Contas foram ignorado por muitos jornais, naturalmente por não ser do agrado do poder politico e económico dominante na sua campanha contra as empresas publicas, campanha essa que é alimentada também por actos de má gestão dos homens colocados pelo governo nas administrações de muita empresas públicas, de que é exemplo recente o caso da promoção ao topo da carreira na CGD de Armando Vara, antigo secretário de Estado e ministro de um governo PS, que é actualmente administrador numa empresa concorrente da CGD, o MillenniumBCP.

18/Janeiro/2009

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