À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

17/11/2011

Folgas e almofadas

Anabela Fino

Folga: acto ou efeito de folgar; interrupção de trabalho; descanso; feriado; largueza; desafogo; alívio.
Almofada: espécie de saco cheio com uma substância mole para assento ou recosto da cabeça; objecto idêntico para segurar uma costura feita à mão
O recurso ao dicionário da Porto Editora – o que estava mais à mão – para apurar o significado das palavras mais ouvidas nos últimos dias ao PS de António José Seguro revelou-se – como se pode comprovar pelo acima reproduzido – um quebra-cabeças. É que isto das palavras tem que se lhe diga. Não basta alinhar letras até que formem uma unidade inteligível; há que ter em conta o contexto, a coerência da frase, as múltiplas asserções, sem o que tanto podem significar uma coisa como o seu contrário, ou mesmo coisa nenhuma, que é a característica das palavras ocas.
Veja-se, por exemplo, o caso da «folga» esgrimida por Seguro para garantir que havia margem para cortar – o termo exacto é mesmo roubar – «apenas» um subsídio aos trabalhadores da administração pública. Trata-se de uma «largueza» nas contas do Estado ou de um «alívio» para os visados? Se for o primeiro caso, não se percebe que o PS não tivesse invocado em momento algum a necessidade de tributar os chorudos lucros dos grandes grupos económicos, os tais que no primeiro semestre do ano, enquanto a recessão avançava e a pobreza alastrava, tiveram lucros de cerca de 2000 milhões de euros. Se for o segundo, nem à lupa se vislumbra o «alívio» que pode advir do facto de se adiar por um ano o roubo de um dos subsídios quando todas as medidas implementadas e a implementar visam a diminuição geral dos salários, o aumento generalizado da exploração com todos os trabalhadores a trabalhar mais e a receber menos, o corte drásticos nas reformas, pensões e prestações sociais, o aumento brutal das condições de vida, o aumento do desemprego e da precariedade, o empobrecimento acelerado dos trabalhadores e do povo.
E que dizer em relação à «almofada» invocada por Seguro? Se não se tratar da «pasta embebida em tinta, para molhar carimbos», e deixando de lado o que às portas e janelas diz respeito – de resto inexistentes neste túnel sem luz à vista em que as troikas querem meter o País – fica-nos essa «espécie de saco cheio com uma substância mole», ao que tudo indica para «segurar uma costura feita à mão», que é como quem diz pronto a rebentar pelas costuras.
Dirão os mais crédulos que não é bem assim, que Seguro estava cheio de boa vontade, tanta e tamanha que até inventou a «abstenção violenta» com que apoiou o Orçamento do Estado. Até podia ser, não fora dar-se o caso de a troika ter vindo a Portugal e ter ido ao Largo do Rato dizer ao PS de Seguro quem é que manda nos que se entretêm com folgas e almofadas enquanto vão abanando com as orelhas aos que suas excelências ditam. Os cortes são para fazer, e a haver folga e/ou almofada será para a banca. E ponto final. O PS, agradecido, ofereceu o almoço.

http://www.avante.pt/pt/1981/opiniao/117375/

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