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03/12/2011

Trabalho e Estado social

Carvalho da Silva

Grande parte dos problemas com que o país e a União Europeia se debatem têm a sua origem na secundarização da economia sustentada no valor do trabalho e na sua substituição pela economia da financeirização. Dir-me-ão, e com verdade, que esse é um problema global e que a génese de tal "evolução" se funda nas características genéticas do sistema capitalista e na sua actual fase de domínio da ideologia neoliberal.
Grande parte dos problemas com que o país e a União Europeia se debatem têm a sua origem na secundarização da economia sustentada no valor do trabalho e na sua substituição pela economia da financeirização. Dir-me-ão, e com verdade, que esse é um problema global e que a génese de tal "evolução" se funda nas características genéticas do sistema capitalista e na sua actual fase de domínio da ideologia neoliberal.
Tomando a mudança enunciada, coloco em relevo que a economia da financeirização foi implementada com a muleta da ideologia da tecnocracia, que torna não racionais todas as opções que não se expliquem pelo lucro imediato, controlado e apropriado pelos detentores de poderes dominantes. Todas as variáveis deste processo são traduzidas em números, tratados da forma mais fria possível mesmo que se trate de pessoas, sem contabilização de custos sociais, culturais, ambientais, políticos ou económicos a prazo.
O trabalhador é atirado para a condição de "suplemento" que se acrescenta à "técnica", debaixo de uma "racionalidade material" absoluta, ou seja, servindo a "máquina" ou o processo de acumulação da riqueza. A riqueza tem de se formar, circular e chegar ao destinatário que dela se apropria sem ganhar "gorduras", o que significa sem contribuir para o bem comum.
Os manipuladores da absolutização do conceito de inovação tecnológica ignoram propositadamente o papel dos seres humanos na manipulação das tecnologias e, acima de tudo, secundarizam a inovação social. Ora, é a inovação das práticas sociais que pode transformar positivamente a sociedade, designadamente gerindo bem a inovação tecnológica.
A correcta colocação do valor e do lugar do trabalho é hoje um desafio exigente para recentrar o papel, a estruturação e funcionamento da economia.
O trabalho é factor de produção. Ele tem de ser valorizado na concepção do emprego, nas formas da sua retribuição e na organização da sua prestação, nos processos de organização da vida dos trabalhadores, das famílias e da sociedade. Mas o trabalho é também actividade socialmente útil; factor fundamental de socialização; expressão de qualificações e espaço da sua construção; fonte de direitos sociais e de cidadania; direito universal que afirma dignidade e valorização humana; gerador das condições de acesso aos estilos de vida que a sociedade vai moldando; actividade humana desafiada a cuidar do ambiente e dos valores ecológicos; e também, pode ser factor de alienação económica, ideológico-política e até religiosa.
Os quadros de direitos e deveres dos trabalhadores, dos patrões (empresas), da responsabilidade colectiva dos povos referenciada como compromisso colectivo nos estados, têm de emanar desse lugar do trabalho.
Para perceber e interpretar as novas questões sociais há que sacudir a submissão da economia à financeirização e ao absolutismo da técnica e ter presente que Estado social è direito à saúde, à educação e formação, à segurança e protecção social, à justiça, a condições de vida digna fora e dentro do trabalho.
É também neste exercício que podemos encontrar respostas para a defesa e revitalização do Estado social, que jamais pode ser reinventado pelo individualismo institucionalizado que impera na sociedade. Temos de ir buscar meios para o sustentar captando a riqueza onde ela se forma ou circula, antes de ser indevidamente apropriada. Essa extraordinária conquista (Estado social) é, em parte, causa/efeito das dimensões daquela centralidade.
Perante as invocações da crise e das inevitabilidades procuremos construir as formas possíveis e coerentes de solidariedade, mas não se caia na perigosa ilusão de substituir o Estado social por formas de solidariedade do passado, que não consideram a cidadania e o universalismo como indispensáveis à democracia.
O Estado social, neste sistema em que vivemos, sustenta-se no Estado como força centralizadora, na "economia do trabalho" e nos compromissos capital/trabalho. E tem relações fortíssimas com o Estado-Nação, com o Estado de Direito Democrático e com o Direito do Trabalho.

http://www.jn.pt/Opiniao/default.aspx?content_id=2164224&opiniao=Carvalho%20da%20Silva

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