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17/01/2009

Marx está superado?

Nildo Viana - La Insignia. Brasil, maio de 2006

É corrente nos meios acadêmicos a afirmação de que Marx está superado. Até parece aquela velha história: uma mentira repetida centenas de vezes acaba passando por verdade. Desde o final do século 19 e início do século 20 se fala em "crise do marxismo" e não passam mais de cinco anos para aparecer alguém repetindo a fórmula da superação de Marx e do marxismo. O verdadeiro problema está em saber por qual motivo esta afirmação, apesar de todas as evidências em contrário, acaba sendo aceita por alguns, reproduzida por outros e ganha, em determinados momentos, ressonância acadêmica.

A insistência na superação do marxismo e das obras de Marx é tão grande que se faz necessário retomar as evidências contrárias a tal afirmação. Para se colocar que determinadas idéias estão ultrapassadas é preciso comprovar isto sob duas formas simultâneas: do ponto de vista da teoria e do ponto de vista da prática. Obviamente que muitas teses de Marx são criticadas (assim como diversos outros pensadores considerados "clássicos" e que ninguém diz estar "superados", tal como Weber, por exemplo). Como ele, enquanto indivíduo, morreu, então não pode responder. No entanto, muitos concordam com suas teses e as defendem em seu lugar. Já se disse que para alguma idéia estar morta é preciso que ela não tenha mais defensores. Não é este o caso das idéias de Marx. Independentemente disto, é possível se afirmar que as teses de Marx foram refutadas cabalmente e que seus erros foram comprovados. Porém, nenhum pensador ainda conseguiu esta proeza. Alguns tentaram desacreditar algumas teses pontuais de Marx, mas além de não terem sido muito felizes, ainda encontraram vários outros criticando-os por seus equívocos, que vão desde a incompreensão do pensamento de Marx até a deformação, com raras exceções. Do ponto de vista prático, as idéias de Marx sobrevivem, tanto nos meios acadêmicos, quanto nos meios políticos. E se por acaso toma-se não o pensamento de Marx mas o marxismo, então a situação se complica, pois o número de teses e desdobramentos se revela quantitativamente elevado e qualitativamente complexo. Assim, tal comprovação não se realiza sob nenhum dos dois pontos de vistas, nem do teórico, nem do prático.

Sendo assim, como se pode acreditar na ingênua afirmação da ultrapassagem do pensamento de Marx? Não iremos discutir as fontes sociais deste posicionamento, desde as divergências políticas, passando pelas contrafações acadêmicas por motivos da competição interna da comunidade científica, até chegar aos eternos candidatos (acadêmicos ou políticos, à direita ou à esquerda) a substitutos de Marx, que precisam destruir o ídolo para se colocar no lugar dele. Basta, para nosso objetivo, apresentar a questão fundamental para entender esta aceitação da superação de Marx. Podemos dizer que por detrás desta tese subjaz uma visão do desenvolvimento do saber de matriz oriunda do senso comum, das representações cotidianas ilusórias. Trata-se de uma visão pautada numa concepção evolucionista do saber, segundo a qual, a melhor tese é a última veiculada, ou do último livro publicado, ou, ainda, do último sensacionalismo acadêmico. O caráter volúvel da opinião pública e dos meios acadêmicos fornece a explicação para o fenômeno do pensador que foi superado durante todo o século 20 e continua sendo superado até os dias de hoje, deixando de lado a contradição evidente: para quê superar o já superado? A resposta só pode ser: porque ainda não foi superado e por isso o esforço contínuo pela superação, uma versão contemporânea e grotesca do trabalho de Sísifo.

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