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22/04/2010

Sinais de alarme e um «suave milagre»

Jorge Messias

O mundo capitalista vai de mal a pior e por muito que o tente não consegue disfarçar essa realidade. Tal como sempre aconteceu em tempos de crise profunda, os capitalistas fazem acompanhar as suas fases de declínio por verdadeiras paradas de ostentação e de vida corrupta que nem sequer já procuram ocultar. São sinais de que estão conscientes da existência de um dramático desagregar do seu sistema que sempre foi corrupto embora envolto num palavreado populista e numa aura de santidade da Igreja. Agora não, agora já isto não é possível. Então tal como as meretrizes - os capitalistas fazem gala de reclamarem para si, publicamente, o direito à aberta imoralidade. A Igreja católica, sua associada em múltiplas patifarias, emudece, financia e participa nos lucros fabulosos que o pôr do sol do capitalismo promove.
Os dias passam e esgotam-se os espaços da agenda nacional da perversão. Silêncio ou gaguez da Igreja perante crimes horríveis do clero (e não apenas em relação a crianças indefesas). Também em escândalos sociais como o combate à pobreza, a tibieza de posições face ao desemprego, a prestação de serviços ao capitalismo, a manutenção de posições ultraconservadoras e reaccionárias, as orientações do Patriarcado para os lucros financeiros e a ambição, conscientemente alimentada, de ocupar e manter indefinidamente o poder e o obscurantismo absoluto, instrumentos de sujeição das camadas mais humildes do povo português. Igreja assim, não serve. Por uma vez, mas de forma desgarrada, a Conferência Episcopal reconheceu que a linguagem falada pela Igreja, confrontada com os graves problemas sociais é «reactiva» e «desfasada da sociedade».

Mercado interno e a visita do Papa

A verdade é que os negócios entre o Governo de Sócrates e o episcopado são cada vez mais noticiados, tendência que convém abafar. Ficou-se a saber, nos últimos dias, que a Segurança Social paga 59% dos financiamentos às IPSS (católicas e «não lucrativas»), que a empresa pública Estradas de Portugal comprou à Igreja (em Lisboa, na Buraca) um pedaço de terreno com a extensão de uma piscina, por 1,2 milhões de euros e que voltaram a ser aumentados os subsídios do Estado às instituições católicas da Acção Social.
O Papa está a chegar e todas as atenções se viram nesse sentido. Os bispos temem manifestações, antecipam-se e declaram: «O Papa não quer confrontações com ninguém!». O Governo, contrariando a sua autoproclamada política da produtividade, decide dar de uma penada três dias de «tolerância de ponto» ao funcionalismo público. As polícias secretas (incluindo a do Vaticano) planificam, em Lisboa, a segurança de Ratzinger. A Igreja planeia em pormenor o programa da visita e o seu êxito, em termos de massas. Detalhe interessante é a forma como se pensa garantir a presença, nas três missas papais (em Lisboa, no Porto e em Fátima), de multidões de fieis, turistas e curiosos: centenas de autocarros funcionarão em cadeia, levando sucessivamente os católicos, primeiro do Sul ao Norte (Porto); depois, do Norte ao Centro (Santuário de Fátima). Portugal de Sócrates lembra o Portugal de Salazar. No caso do Porto, conta-se, ainda, com a chegada de centenas de autocarros espanhóis. Tudo a bem da Igreja e do turismo.
Mas o negócio não fica por aqui.
Toda a malha de organizações da Igreja se encontra mobilizada para a venda de artigos religiosos bentos e lucrativos, nomeadamente, bandeiras, pendões, medalhas e cruzinhas. Cada bandeira custa um euro e os outros objectos devem andar por aí. Há orações disponíveis em telemóvel. Vende-se pendões e velas. Aluga-se quartos e varandas. Os lucros obtidos serão repartidos segundo os seguintes critérios: um terço, vai para as paróquias; um terço, para ajudar as despesas de deslocação do Papa; o terço final reverte para o Patriarcado. Eis o «suave milagre»: a multiplicação dos peixes.
Assim vão os tempos. Um Papa desautorizado pelo seu fanatismo religioso e pelo encobrimento de crimes contra a humanidade, transforma-se em motor da economia da Igreja e em mentor de uma catolicidade intimamente ligada ao poder fraudulento do capitalismo. À partida de Lisboa, mete-se no avião e volta ao Vaticano de onde tornará a partir em breve para outra qualquer parte do mundo católico, sempre apoiado pelos numerosos especialistas em finanças e em negócios que invariavelmente o acompanham nas suas viagens papais.
Temos este conforto: Portugal caminha para a bancarrota mas morrerá confortado com todos os Sacramentos da Santa Madre Igreja.

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33290&area=32

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