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15/04/2010

O retoque da imagem

Jorge Messias

Como é do conhecimento público, a Igreja católica romana tem particular atenção ao retoque da sua imagem pública. Sobretudo agora, quando se sobrepõem três níveis de crise: crise do capitalismo, crise interna da Igreja e, contas feitas aos últimos escândalos, crise de credibilidade entre os povos.
No primeiro aspecto, o Vaticano tem de procurar um justo equilíbrio que torne possível continuar a intervir nos mercados, ajudando o capitalismo a gerir com lucro a sua crise geral e evitando que a Igreja fique cativa dos seus poderosos aliados financeiros. Teoricamente, este equilíbrio faz-se investindo em áreas lucrativas e mantendo a imagem da instituição católica não lucrativa que combate a pobreza, opta pela justiça social e defende firmemente o direito à liberdade de expressão.
A prudência é o grande esteio da estratégia actual da Igreja. Desdramatizar e esquecer. A passagem do tempo será o grande regulador dos dias de crise. Foi assim já quando do escândalo das fraudes do Banco do Vaticano ligadas ao processo Marcinkus». Chegou-se a falar no desabar de todas as estruturas eclesiais. Depois, o tempo e a prudência do controlo e do cercear das notícias tudo acabou por resolver favoravelmente, com um prejuízo financeiro mínimo. Assim também aconteceu em Portugal relativamente aos pedófilos da Casa Pia. O processo ainda se arrasta mas já ninguém sequer se recorda de que a Casa Pia é uma instituição partilhada entre o Estado e a Igreja. A opinião pública desinteressou-se do caso. O mesmo certamente acontecerá com a vaga de escândalos da pedofilia dos padres. A Igreja portuguesa ficará à margem dos acontecimentos, mergulhada num banho de santidade. A hierarquia romana se encarregará de desviar as atenções do povo e de retocar a imagem da sua missão divina. Ao fim e ao cabo, tudo se resolverá. Tal como em muitas outras intrigas, a exemplo do plano de controlo da comunicação social, da entrega às instituições sóciocaritativas da sociedade civil de outros patrimónios, no Ensino, na Saúde, na Segurança Social, nos media do Estado, etc.
Para já, humildade, contenção, silêncio e esquecimento. Tudo isto junto, opera milagres. O resto virá mais tarde. A vingança serve-se fria.

Os jogos vocabulares

Esta estratégia do Vaticano, maduramente pensada, completa-se com a sábia repartição de tarefas entre o Sumo Pontífice e a sua guarda pretoriana de «acólitos» que o segue e representa em todo o mundo. Ao Papa, compete manter-se no seu trono, distanciar-se da multidão, pôr os olhos em Deus. Aos cardeais, bispos, padres e aos homens fortes da Igreja na sociedade civil, cabe falar mas de tal maneira que o mistério se adense em lugar de se dissipar. Nas recentes celebrações da Páscoa, esta estratégia tornou-se evidente em relação à pedofilia dos padres e à cumplicidade que a hierarquia católica garantiu aos violadores de crianças.
Bento XVI dormiu sobre este escândalo. Porém, sem nada dizer de explícito, foi mais além. Deslocou o eixo da questão. Ignorou os crimes da Igreja mas referiu-se de forma bem clara às guerras, ao narcotráfico e aos cataclismos que abalam o mundo. Para concluir que «a Humanidade precisa de uma conversão espiritual e moral, para sair da crise que é profunda».
Foi a «deixa» esperada pela guarda pretoriana dos acólitos. Colégio Cardinalício, Primaz da Bélgica, Arcebispo de Paris, Cardeal Patriarca de Lisboa, Bispo do Porto, Bispo das Forças Armadas, todos fizeram coro em apoio da tese da conspiração contra a Igreja e da existência de uma campanha «para caluniar e denegrir o Papa». Concluíram assim ser necessário mobilizar os católicos em defesa da imagem do Papa.
Assim começa a definir-se uma campanha tendente a recuperar a imagem da Igreja tradicional. Não tarda que as pessoas se interroguem: será verdade que os padres violaram as crianças? Ou, como diz o Papa, as culpas de tudo isto têm «o vestuário da morte» e residem «nos pecados do homem: «vício, pureza, obscenidade, idolatria, bruxaria, ódio, querelas, inveja, cólera, divisões, sectarismo». Sobre violações de crianças, nem uma palavra.
A culpa irá morrer solteira, uma vez mais? Não permitamos que tal aconteça!

http://www.avante.pt/noticia.asp?id=33200&area=32

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