Famílias que lutam pela sobrevivência numa casa sobrelotada é o resultado de uma crise que as obrigou a deixar o lar. Há muitas que ainda resistem nas suas habitações porque a justiça é lenta nas ações de despejo.
O alerta é de quem lida diariamente no terreno com estas situações e aponta como causas a falta de emprego, o corte ou a diminuição de subsídios e as famílias terem esgotado os seus recursos.
“Numa primeira fase, as pessoas recorreram aos pais e aos familiares mais próximos, mas neste momento já não há capacidade financeira de ajudar os filhos e os netos”, disse à agência Lusa a diretora do Departamento de Ação Social da Assistência Médica Internacional (AMI).
Ana Martins conta que há imensos lares nos bairros sociais habitados por duas e três gerações, uma situação difícil de gerir em termos de acompanhamento social: “são botijas de gás prestes a rebentar a qualquer momento”, alerta.
“A pobreza é tanta que às vezes há lutas por causa de um iogurte. As pessoas não vão para a rua mas vivem nestas situações que podiam já existir, mas não neste número”.
Sobre a possibilidade de haver famílias desalojadas, Ana Martins afirma que, por enquanto, os abrigos vão tendo alguma capacidade de resposta, o acontece é que muitas vezes tem de se separar o marido da mulher porque não existem albergues específicos para famílias.
Por outro lado, “sempre que há uma família na rua, principalmente com crianças, nós tentamos resolver a situação através do aluguer numa pensão”.
Para o presidente da Cáritas, o problema não é maior porque, “felizmente, a justiça funciona mal”: “Neste caso alegro-me que a justiça não funcione, porque se funcionasse com os processos que as entidades judiciais emitem já havia muita gente a largar as casas por ordem judicial”.
"A pobreza é tanta que às vezes há lutas por causa de um iogurte", diz Ana Martins
“Em Espanha estão a proceder a despejos quando as pessoas não conseguem pagar as mensalidades aos bancos. Aqui, não temos perceção porque os casos que estão a acontecer são tão isolados que dificilmente se tornam percetíveis”, salienta Eugénio Fonseca.
O que acontece com frequência é as famílias voltarem para casa dos pais. Mas, observa, “o mal” não é as pessoas largarem as habitações, mas continuarem devedoras aos bancos.
“Perdem a casa, mas têm de continuar a pagar a dívida. Isto é um contrassenso porque, no fim, os privilegiados são os bancos que já têm, em termos dos juros que cobram, a sua parte do rendimento e ficam agora com o bem”, argumenta, defendendo que o Governo tem de tomar uma posição, ser “regulador”.
Tem de haver “maior transparência na governação, maior rigor e não haver a subserviência como tem acontecido do poder político ao capital”, defende.
Já Natália Nunes, do Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da Deco, receia que o Orçamento de Estado agrave esta realidade: “a conjuntura do país está a contribuir grandemente para o aumento significativo das famílias em situação de dificuldade”.
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