O 1.º de Maio será, este ano, marcado por um clima de intensa contestação. O secretário-geral da maior central sindical do país - a CGTP - promete luta contra as medidas de contenção orçamental. Em entrevista ao JN, Carvalho da Silva afirmou que é preciso "estabilizar os interesses de uma burguesia que se instalou no poder" e acabar com o estigma de que os pobres são "tendencialmente malandros".
Este 1.º de Maio vai ser um dia de luta nacional, que irá marcar o início de novas lutas por mudanças políticas e económicas?
Vai ser um dia de forte indignação perante o desemprego, a baixa qualidade do emprego, a precariedade, contra a redução da retribuição do trabalho, desigualdades e não funcionamento da justiça. Vamos fazer um acto de protesto e ao mesmo tempo afirmar propostas e reivindicações que dêem esperança e confiança no futuro.
Que propostas são essas?
São propostas que colocam em evidência novos caminhos para o desenvolvimento do país e as condições de vida dos trabalhadores. Não podemos aceitar esta linha que o Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) sustenta. Há a imposição de uma redução do défice público para o nível dos 3% até 2013, e temos que contestar isso. Alargue-se o prazo, criem-se condições novas de acesso ao crédito. O défice não é resultado do pagamento do subsídio de desemprego nem do pagamento das prestações sociais. É resultado do facto de o Estado ter ido em socorro do sector financeiros e dos grupos económicos. A estigmatização dos pobres como sendo tendencialmente malandros é uma afronta. Temos que estabilizar os interesses de uma burguesia que se instalou no poder e que se apodera de grande parte da riqueza do país. Esse é outro caminho alternativo indispensável. Portugal precisa urgentemente que se discutam estratégias.
Portugal não tem uma estratégia definida?
Não. Temos vindo a fazer políticas de governação à vista, sempre usando duas faces de uma mesma moeda: a invocação sistemática da crise e a adopção de políticas chamadas de reformas, que são apenas adequações para a continuação do mesmo modelo de governação. Precisamos de uma estratégia para o mar, para a agricultura, para a reindustrialização do país. Temos que olhar para a criação de emprego num contexto de não termos grande crescimento económico. O que tem que conduzir a criação de emprego é a produção material de bens e serviços úteis ao desenvolvimento da sociedade e não úteis ao enriquecimento de alguns.
É essa a solução para a saída de Portugal da crise?
Temos que estabelecer relações com o exterior. Não nos podemos esquecer que um dos grandes dados do mundo actual é a emergência de blocos importantes que não estavam no jogo até ao final do século passado, a Índia, a China, o Brasil, que arrasta a América Latina, a Rússia. E um destes povos emergentes fala português. Temos que encontrar caminhos para dinamizar o nosso projecto de desenvolvimento.
A CGTP tem enquadrado diversas acções de luta. Numa altura de crise, sucessivas paralisações não poderão agravar a situação do país?
O que prejudica é a continuidade das mesmas politicas. Só são prejudicados aqueles que pensam que vão continuar a impor um futuro de especulação financeira, de enriquecimento de alguns à custa do sacrifício da maioria.
Mas o país tem uma baixa produtividade.
Temos é um défice de produtividade comparado com a União Europeia. Este défice não resulta de uma fraca utilização do trabalho. Segundo vários economistas, temos uma taxa de actividade na ordem dos 78%. Estamos acima da média europeia. E não temos melhores condições que a média da União Europeia. O problema prende-se com razões de ordem estratégica e de gestão. A nossa economia tem cadeias de valor, em geral, de pouco valor acrescentado, há ausência de marcas, uma fragilidade estratégica de competitividade externa. Temos défice de qualificação, mais acentuada nos gestores do que nos trabalhadores. E temos, ainda, uma administração pública que deveria estar mais modernizada.
Nos centros de emprego, por exemplo, há vagas que não são preenchidas porque as pessoas não querem ganhar menos.
Isso é uma espiral regressiva característica de um país de baixos salários. Se vamos nessa lógica de colocar as pessoas a trabalhar em função da necessidade e não da dignificação do trabalho, chegávamos ao subsídio de desemprego zero. O centro de emprego divulga muitas propostas que não respeitam o salário mínimo, que é trabalho parcelar, encapotado e mal pago. Temos gente a trabalhar neste país por menos de 2 euros/hora.
Como vê o cenário de privatizações previstas pelo Governo?
Vejo com grandes perigos para a economia. Se o Estado não tiver possibilidade de mexer algumas alavancas da economia em pontos estratégico, enfraquece a possibilidade de dinamização geral da economia. Com perdas significativas para o Orçamento do Estado e como um negócio em tempo de saldo.
Para os trabalhadores qual será o impacto?
O emprego público e das empresas com participação do Estado sempre foi uma referência como campo dinamizador de construção de factores de estabilidade e segurança no emprego.
Mantém a intenção deixar a central sindical em 2012?
O meu compromisso é esse. Estamos aqui para contribuir para o movimento sindical e para a sociedade, mas há tempo para tudo. Eu só tenho uma base adquirida que é a predisposição de dar contributos e trabalhar por um número significativo de anos. Estou predisposto a ter uma intervenção social e política.
http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=1557985
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