Já não existem as greves espontâneas de antigamente. Já não se pedem aumentos salariais para cem escudos. E o 1º de Maio já não é comemorado clandestinamente. Os tempos são outros. Mas na Marinha Grande o "espírito de luta" não quer morrer, e ainda há esperança que os jovens cheguem a tempo e reivindiquem os seus direitos. Marinha Grande é sinónimo de indústria vidreira e lutas sindicais. É nelas que encontramos Alda Sousa e José Arsénio. Dois antigos trabalhadores da Santos e Barosa, a maior fábrica de vidro da cidade, superaram o "medo" da época fascista e abraçaram a vida sindical.
Alda Sousa tem hoje 74 anos e dedicou 40 destes à vidreira e ao sindicalismo. "Naquele tempo, ganhávamos muito pouco, mas tínhamos a certeza de que, se soubéssemos organizar, o nosso futuro estava garantido", disse. Porém, a realidade de hoje é bem diferente.
"Os jovens de agora não têm a certeza de nada e nem conseguem perspectivar o futuro. Orgulho-me de ter trabalhado 40 anos, pois agora as pessoas nem conseguem ter [um emprego] durante 40 dias", afirma. Mesmo sabendo que as frentes sindicais estavam repletas de mandatários do Governo, Alda Sousa não receou e, em 1952, filiou-se no Sindicato do Vidreiro. "O que é que interessa ir sozinho reivindicar alguma coisa? Se formos mais, teremos mais facilidade em sermos ouvidos", argumentou, orgulhando-se de ter participado na greve de Março de 1974, que contribuiu para o enfraquecimento do regime.
Também integrador desta greve foi José Arsénio, de 63 anos. Foi dirigente sindical até 1997, ano em que se viu obrigado a sair da direcção do sindicato por causa de não poder conciliar com a actividade profissional. "Desde 1981 que não havia comissão de trabalhadores e em 1997 houve uma greve, na qual se pretendia a imposição das 35 horas semanais. Reuniu-se um grupo em vários plenários onde se originou uma comissão. Fiz parte dessa comissão até há dois anos, mas, por causa do Código do Trabalho em que me foi retirado o crédito de horas, fui obrigado a tomar apenas uma das vias. Optei só por ficar na fábrica", conta. Parece que pertencer a uma frente sindical já não é tão fácil como antes. "As pessoas que se apercebem que os empregos não dão segurança e filiam-se no sindicato, muitas delas já o fazem secretamente, com medo de virem a ser prejudicadas nas suas actividades laborais", acrescenta.
Mas as dificuldades não partem somente das pressões da entidade patronal. Tanto Alda Sousa como José Arsénio garantem que os jovens trabalhadores de hoje, ainda "não têm a noção exacta" da quebra de direitos que os empregadores e o próprio novo Código do Trabalho possam impingir. "Muitos jovens, com menos de 40 anos, quando se fala numa greve não querem saber. Mas um dia vão querer saber, principalmente quando perderem os direitos", afirma Alda Sousa. "Se querem retirar as leis tão fundamentais como a questão do contrato colectivo de trabalho, quererem impor as 60 horas semanais, e ainda haver gestores a receberem valiosos prémios do Estado, é compreensível que as pessoas se revoltem", remata.
José Arsénio vai mais longe e afirma convictamente que só "uma nova revolta" poderá travar o retrocesso em que o país se encontra. "Daqui a uns anos, os nossos direitos estarão praticamente todos confiscados e, aí, a única solução será mesmo uma nova revolta", defende. Para a maioria dos jovens, o 1º de Maio passa-lhes ao lado. Alda Sousa diz até que "é lamentável que a juventude não saiba comemorar este dia".
Será que o dia 1 de Maio cairá no esquecimento? A sindicalista acredita que isso não acontecerá. "Agora festeja-se o Dia do Trabalhador com uma acção de luta e com uma festa. Mas eu ainda tenho a esperança de que um dia seja apenas uma homenagem a todos os que contribuíram para a defesa dos trabalhadores. Até lá, iremos continuar com o mesmo discurso de há 36 anos", conclui.
http://jornal.publico.pt/noticia/01-05-2010/daqui-a-uns-anos-os-nossos-direitos--estarao-praticamente-todos-confiscados-19311294.htm
À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.
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