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10/05/2010

O agravamento das custas judiciais

Luís Menezes Leitão

Qualquer agravamento das custas judiciais é sempre um péssimo sinal da descredibilização de um sistema de justiça, que deverá estar ao serviço de todos os cidadãos e não apenas dos mais beneficiados economicamente. Lembro-me de há uns anos, também em comentário a uma reforma das custas, alguém ter dito que “tendo os cidadãos sede de justiça, não é aceitável que a água que mata essa sede seja tão cara como o champanhe francês”. Neste momento o que estamos a assistir é precisamente à transformação da justiça num bem de luxo, em que os cidadãos são espoliados cada vez que se apresentam nos tribunais a exercer os seus direitos.

O triste caso de Entre-os-Rios é um infeliz exemplo desta situação. O país descobriu escandalizado o que tinham que pagar em tribunal, quando perdiam a acção, pessoas que se limitaram a pôr processos de indemnização pela perda de um ente querido. Esse escândalo foi resolvido pelo Governo, mas apenas para aquele caso concreto, mostrando o receio que este Governo tem da exposição destes casos nos meios de comunicação social. Mas amanhã outros cidadãos deslocar-se-ão a tribunal por razões semelhantes e, se perderem a causa, sofrerão amargamente as custas judiciais, e não tendo o seu caso exposição pública, ninguém lhes irá valer.

Tudo isto vai piorar com a entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais, como aliás resulta claramente do artigo de opinião do Ministro da Justiça, publicado no Diário Económico, de 22 de Abril. Efectivamente, o estilo laudatório desse artigo não consegue elidir a óbvia intenção do Governo em colocar os tribunais comuns inacessíveis aos cidadãos comuns, que perpassa por todo o seu texto.

Para além do óbvio agravamento da UC, que não é referido, o Ministro assume mesmo que em várias situações agrava a tributação em custas, quando elas já eram genericamente muito elevadas. Em falsa contrapartida, surge uma redução das custas a quem utilize meios electrónicos, típica de quem quer transformar os tribunais comuns em tribunais virtuais, o que está em linha de conta com o facto de o novo mapa judiciário pretender colocar os tribunais cada vez longe das populações.

Por outro lado, o Ministro assume a intenção de utilizar o regime das custas para estimular o recurso aos meios alternativos de resolução de litígios, o que é inaceitável pois, como o seu próprio nome indica, o recurso aos meios alternativos de resolução de litígios deve resultar sempre da livre escolha das partes. Estimular essa escolha com base no agravamento das custas só contribui para os transformar numa alternativa obrigatória, o que não faz qualquer sentido e desvirtua a sua função. Por outro lado, os tribunais comuns passam a ser vistos como inacessíveis ao comum dos cidadãos, como se houvesse uma justiça para pobres e outra para ricos.

A mais grave alteração é, no entanto, a medida de obrigar as pessoas a pagar à cabeça as custas do processo (em uma ou duas prestações), medida que é totalmente ilegítima, e só serve para desincentivar ainda mais os cidadãos de recorrer aos Tribunais. O argumento de que se pretende evitar as execuções por custas é absolutamente perverso, pois a poupança nesses processos é um ganho ínfimo, comparado com os custos e a imoralidade que representa para as pessoas pagarem antecipadamente pelo recurso à justiça que, devido ao congestionamento que atinge os tribunais, só lhes virá a ser eventualmente fornecido muito tempo depois. No fundo, o Estado vem agora dizer a quem lhe pede justiça que esse serviço, que assume estar a funcionar pessimamente, só é fornecido mediante o respectivo pagamento antecipado. No fundo, o que o Estado diz é que nem sequer confia nos seus próprios Tribunais para cobrar os créditos do próprio Estado. Face a isto, como poderão os cidadãos confiar no nosso sistema de Justiça?

http://www.construirideias.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=163:agravamento-custas-judiciais&catid=36:geral&Itemid=110

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