Carla Pedro
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou hoje o seu relatório anual sobre o mercado laboral em termos mundiais e adverte que a crise da dívida na Zona Euro pode conduzir a uma recessão de 10 anos e a crescentes perturbações sociais.
Não será possível recuperar, com êxito, da maior recessão desde os anos 30, a menos que se combatam as desigualdades sociais através de medidas bem concebidas, sublinha a Organização Internacional do Trabalho no seu relatório anual “World of Work”. O crescente desemprego entre os jovens, as desigualdades de rendimentos – que se agravaram com o aumento dos preços dos alimentos e da energia – e outras inequidades sociais minam o apoio às políticas a favor do crescimento e criam um risco de agitação social que já começou a materializar-se na região árabe, em alguns países asiáticos e na Zona Euro, adverte a OIT, acrescentando que é preciso apostar nos empregos para se garantir uma retoma económica sustentável.
Assim, os próximos meses serão cruciais para evitar uma forte contracção do emprego e um agravamento adicional dos tumultos sociais, diz a Organização.
Nova recessão
Segundo as conclusões da OIT, a economia mundial entrou numa nova fase de debilitação. “O crescimento económico nas principais economias avançadas entrou numa fase de impasse e alguns países voltaram a mergulhar na recessão, nomeadamente na Europa”, sublinha o relatório.
Os programas de apoio ao emprego e aos rendimentos, que revelaram ser tão bem sucedidos como amortecedores das perdas de postos de trabalho e no apoio às práticas de retenção de empregos, poderão sofrer abalos no âmbito das medidas de austeridade adoptadas num crescente número de países, diz o estudo da OIT.
De acordo com este relatório, ao passo que em 2008-2009 houve uma tentativa de coordenação de políticas, especialmente entre os países do G-20, há uma crescente evidência de que as nações estão agora a agir isoladamente. “Esta situação está a resultar em políticas mais restritivas, motivadas por considerações de ordem concorrencial, podendo as medidas de retenção de emprego ser vítimas disso”.
Os últimos indicadores mostram que o abrandamento do emprego já começou a materializar-se. “É esse o caso de perto de dois terços das economias avançadas e de metade das economias emergentes e em desenvolvimento em relação aos quais temos dados recentes”, salienta o estudo.
Precisa-se de mais 80 milhões de empregos
Por outro lado, continuarão a entrar jovens no mercado laboral. Consequentemente, alerta a OIT, serão necessários perto de 80 milhões de novos empregos nos próximos dois anos, de modo a restaurar as taxas de emprego que se registavam antes da crise (27 milhões nas economias avançadas e o restante nos países emergentes e em desenvolvimento). “No entanto, à luz da recente desaceleração económica, a economia mundial deverá criar apenas metade desses empregos tão necessários”, refere a OIT.
Segundo a Organização, o emprego nas economias avançadas só regressará aos patamares pré-crise em 2016, ou seja, um ano mais tarde do que aquilo que a OIT previa no seu relatório de 2010.
Este cenário, de acordo com o mais recente estudo da Organização, irá exacerbar as desigualdades e o descontentamento social, podendo atrasar ainda mais a retoma económica. “Em 40% dos 119 países para os quais conseguimos realizar estimativas, o risco de tumultos sociais aumentou significativamente desde 2010. Da mesma forma, 58% dos países revelam um aumento na percentagem de pessoas que dizem que os seus padrões de vida se deterioraram”, adianta o relatório.
Portugal destaca-se no índice de agitação social
Assim, as perturbações sociais estão a intensificar-se nas economias avançadas. Na União Europeia, refere a “Focus” citando a OIT, são sete os Estados-membros onde existem maiores riscos de tensão social, nos termos do ‘índice de agitação social’: Grécia, Portugal, Espanha, Estónia, França, Eslovénia e Irlanda.
Este índice é uma novidade e mostra os níveis de descontentamento em relação à falta de emprego e de insatisfação pelo facto de o encargo da crise não estar a ser repartido de forma justa.
Ainda de acordo com o estudo da Organização Internacional do Trabalho, em praticamente todas as regiões do mundo as pessoas não estão satisfeitas com a qualidade dos empregos disponíveis. Nas economias avançadas, o problema é particularmente visível na Grécia, Itália, Portugal, Eslováquia, Eslovénia e Espanha, onde mais de 70% dos inquiridos se mostraram insatisfeitos com o mercado laboral.
Para a OIT, este círculo vicioso – uma economia mais debilitada afecta empregos e sociedade, o que por sua vez penaliza os investimentos e o consumo, agravando ainda mais o estado da economia – só pode ser quebrado de uma forma: fazendo com que os mercados estejam ao serviço do emprego e não ao contrário.
As recentes tendências reflectem o facto de não estar a ser prestada suficiente atenção aos empregos como factor-chave para a retoma, sublinha a OIT nas suas conclusões. Segundo a Organização, os países têm estado cada vez mais concentrados em apaziguar os mercados financeiros – um exemplo disso é o debate, nas economias avançadas, em torno da austeridade orçamental e da ajuda aos bancos, sem que haja uma necessária reforma das práticas bancárias que levaram à crise.
“Nalguns casos, isto fez-se acompanhar por medidas que foram percepcionadas como uma ameaça à protecção social e aos direitos dos trabalhadores. Isso não vai impulsionar o crescimento e o emprego”, salienta o estudo.
Além disso, segundo a OIT, a regulação do sistema financeiro – o epicentro da crise mundial – continua a ser inadequada.
Na prática, tudo isto significa que o emprego é visto como um factor de segunda ordem face às metas financeiras, alerta o estudo. É impressionante que a maioria dos países tenha agora planos de consolidação orçamental, mas que apenas uma economia avançada – os EUA – tenha anunciado um plano nacional de emprego. “No resto do mundo, as políticas laborais são frequentemente analisadas com lentes orçamentais. É urgente mudar isto. A janela da oportunidade para a criação de empregos e de rendimento está a fechar-se”, avisa a OIT.
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