Vaz de Carvalho
As Parcerias Público Privadas (PPP) são sem dúvida um modelo acabado do «menos Estado» e das características anti-sociais de certa «eficiência privada», mostrando também como as boas intenções de «privatizar e regular» apenas servem para enganar incautos. As PPP foram uma forma de, ao arrepio da própria lei que regula o seu funcionamento, entregar uma renda do Estado ao grande capital.
Em 100 casos analisados apenas em um a alteração teve um efeito benéfico para o Estado, mesmo assim implicando um acréscimo de 144 milhões de euros (1), de tal maneira seria lesivo o contrato inicialmente assinado, analisado por comissões e consultores e aprovado por ministros!
Ao mesmo tempo que se verificava a redução do investimento público, aumentavam as despesas com as PPP à custa do endividamento de empresas públicas junto da banca. Desta forma dívida pública foi camuflada, garantindo rendas para grupos privados que somos levados a pagar pela «inevitabilidade» das austeridades. Na origem desta situação estão as opções políticas dos sucessivos governos, PS e PSD/CDS, que desde os anos 90 do século passado generalizaram as PPP em benefício do grande capital e em prejuízo do Estado.
Os custos dos «ganhos de eficiência privada»
Entre 2008 e 2010 o montante dos encargos líquidos com PPP mais do que duplicou atingindo 1128 M€ em 2010, mais 19% do que o previsto para esse ano, tendo as PPP rodoviárias um desvio de 28%. Note-se que de 2009 para 2010 devido a «reequilíbrios financeiros» e outros «proveitos» para os privados o aumento de encargos para o Estado foi de 24%, sendo nas rodoviárias 31%. (Dados da Direção Geral do Tesouro e Finanças – DGTF).
No período 2015 a 2018, estima-se que ultrapasse os 2000 M€ ano, cerca de 1% do PIB, só para estes encargos em termos líquidos. Em 2011 os encargos com PPP serão de 1542 M€, correspondendo a 1166 M€ nas rodoviárias, 102 M€ nas ferroviárias, 228 M€ na Saúde, 45M€ na segurança. O valor actualizado dos encargos do Estado com PPP até 2029 está calculado em 26 004 M€, o equivalente a 15% do PIB de 2011. Em termos líquidos, isto é, já descontando o que o Estado recebe de portagens, impostos e contribuições para estas rubricas, o valor é de 15 129 M€. (Dados da DGTF).
A Estradas de Portugal (EP) apresenta um grave problema de endividamento para fazer face aos ruinosos contratos de PPP. Entre 2011 e 2015 são necessários financiamentos avaliados em 2252 M€, de forma que a dívida atingirá 4256 M€ em 2015, com a agravante de ser na sua quase totalidade (77,5%) a curto prazo. (Dados da Inspeção Geral de Finanças – IGF).
Conforme salienta a IGF, trata-se de uma dívida completamente desajustada da actividade de longo prazo da EP, aumentando para o Estado os riscos (e os custos!) do seu refinanciamento, mas muito mais favorável para a banca. E tudo isto por governos que sempre declamaram estar «preocupados», «determinados» e ser «responsáveis» com as contas públicas!
A EP atinge portanto a situação de insustentabilidade financeira continuando a endividar-se para pagar encargos financeiros. Isto é, o Estado paga à banca através dos contratos das PPP e paga juros à banca endividando-se para lhe pagar aqueles contratos! Eis, pois, o modelo vigente de «menos Estado» e «eficiência privada».
Para «melhorar» a situação, a EP reduz os efectivos que passaram de 1707 em 2007 para 1160 (uma redução de 32% em três anos) e vende-se imóveis, nas condições actuais abaixo do seu valor. A falta de quadros e as dificuldades financeiras da EP impedirão que sejam asseguradas as suas funções na manutenção e conservação da rede rodoviária nacional.
Encargos ruinosos que o povo tem de pagar
As vertentes obscuras deste processo ficam evidenciadas pelos custos adicionais que os contratos sofrem por alterações introduzidas posteriormente, nomeadamente: alteração de traçados, impactos ambientais, obras adicionais, reequilíbrios financeiros, etc.
Alguns exemplos: na Lusopont, com a renegociação do contrato em 2000 o Estado assumiu encargos de 400 M€, além de 100 M€ de adicionais, sem considerar qualquer cláusula para partilha de ganhos financeiros ou de receitas, contrariamente ao estipulado no Decreto-Lei. Na Fertagus, o Estado (contrariamente à lei) assumiu os riscos do tráfego e acréscimo de custos devido a erros iniciais de cerca de 140 M€. Na Metro Sul do Tejo o risco do projecto foi assumido pelo Estado (contrariamente à lei). Devido a atrasos e adicionais o valor de compensação era avaliado em 2010 em mais 350 M€. (1)
Em resultado de pedidos das concessionárias anteriores a 2010 para «reposição financeira» e «compensações», resultaram para o Estado encargos adicionais de 733,15 M€, (dados da auditoria da IGF) distribuídos da seguinte forma: Grupo Ascendi (inclui o Banco Santander-Totta e as construtoras Monte Adriano Hagen), 426,265 M€; Grupo Norscut (constituído basicamente pela Eifage, a francesa Somec, filial portuguesa, o BPCE,o segundo maior banco francês), 291,872 M€; a Lusoponte, um adicional de 16,018 M€.
O pagamento de portagens nas ex-SCUT é outro exemplo de como o dinheiro cobrado às populações serve para aumentar os lucros dos grupos privados. A entidade reguladora, o Instituto de Infraestruturas Rodoviárias (InIR) evidencia-o com clareza. Antes, os concessionários recebiam conforme o tráfego existente, agora as receitas das portagens são do Estado e os privados recebem por «disponibilidade». Isto é: o risco de tráfego que estava do lado dos privados passou para o Estado sem que fosse alterada a taxa de rentabilidade inicialmente considerada.Assim, o pagamento das SCUT pelos utilizadores, bem como a passagem para o Estado do risco de tráfego das concessões Grande Lisboa e Norte, com tráfego abaixo do previsto, veio beneficiar sobretudo as concessionárias não resolvendo qualquer problema quanto ao endividamento da EP. O que é pago a mais totaliza 700 M€ (valor actualizado líquido) acima do que recebiam pelo modelo anterior. Devido à actual situação de recessão económica e consequente redução do tráfego, a situação para a EP e o Estado só pode tornar-se mais gravosa.
A análise do InIR sofreu contestação em termos duros por parte do então secretário de Estado Paulo Campos que o considerou com falta de rigor e tecnicamente incorrecto, determinando o apuramento de responsabilidades, etc. O InIR contestou tecnicamente as acusações de que foi alvo, sendo apoiado por análises do ISEG e da UCP.
Sabe-se hoje que o InIR, tratado como incompetente e posto à margem do processo, tal como foram ignoradas as advertências do Tribunal de Contas (TC) e da IGF, acertou nas previsões quanto a redução de tráfego, enquanto os competentes consultores das empresas privadas e da EP erraram, ou melhor, fizeram o que lhes competia a favor dos grupos económicos.
Acrescente-se ainda que o fim das SCUT não foi objecto de qualquer estudo que analisasse o impacto na economia regional. Aliás, desenvolvimento regional e custos sociais são termos que estes governos ignoram.
Nem sequer a lei é cumprida
Estas situações configuram face ao D-L 141/2006 que regula as PPP, aliás cheio de boas intenções que nos fazem lembrar a «defesa do Estado Social» à medida que os governos o iam desmantelando.
Art. 4.° – Constituem finalidades essenciais das PPP o acréscimo de eficiência na afectação de recursos públicos.
Art. 6º 1 c) – A configuração de um modelo de parceria que apresente para o parceiro público vantagens relativamente a formas alternativas de alcançar os mesmos fins.
e) concepção de modelos de parcerias que evitem ou menorizem sempre que possível e salvo fundamentação adequada, a probabilidade da verificação de modificações.
Art. 7.° – A partilha de riscos entre as entidades públicas e privadas deve estar claramente identificada contratualmente.
b) O estabelecimento da parceria deverá implicar uma significativa e efectiva transferência de risco para o sector privado.
Vimos porém como os riscos acabam por ficar do lado do Estado.
Para cada projecto havia que avaliar se a opção de PPP apresentava vantagens em relação à contratação pública alternativa, porém tal não foi geralmente efectuado ou só o foi de forma pouco rigorosa e adoptando cenários de ganhos de eficiência pessimistas ou pouco favoráveis.
As gravosas situações criadas nas PPP, com governos que desde há muito se diziam preocupados e «obcecados» com o défice público mostram estudos prévios insuficientes, responsabilidades mal atribuídas ou mal evidenciadas, permitindo de forma sistemática a revisão dos contratos em prejuízo do Estado.
Por detrás das PPP existe uma lógica de deslumbramento pela «eficiência privada», claramente desmentida pelo carácter rentista que as PPP assumem, além do que ficou evidenciado por ex. nas PPP – Saúde e na de Segurança e Emergência.
A tendência para o conluio a favor de entidades privadas e corrupção tem origem na opção ideológica e de classe pelo favorecimento do grande capital, nas teses neoliberais de diabolização do Estado e desprestígio dos seus servidores.
Pôr fim ao descalabro que PSD e CDS pretendem prosseguir
Enquanto se estabelece um clima de intolerável austeridade e recessão económica, as PPP constituem um renda garantida para poderosos grupos económicos. O actual Governo propõe-se agora aumentar as portagens muito acima da inflação, o imposto sobre os combustíveis (Contribuição do Serviço Rodoviário) e reduzir o investimento público inclusivamente nos trabalhos de conservação e manutenção. Além de outras medidas que virão a recair sobre utilizadores e contribuintes.
As críticas do PSD e do CDS ao PS em particular à situação da EP não são credíveis. Trata-se das habituais encenações destes partidos, atirando culpas uns para cima dos outros, no fundo procurando justificar os sacrifícios que estão a ser impostos aos trabalhadores e reformados. Na realidade prosseguem as mesmas políticas, com a intenção de novas concessões de serviços públicos nos portos marítimos, nos aeroportos, nos transportes.
O modelo PPP deve ser abandonado, dotando os serviços do Estado dos meios adequados para concretizar as suas funções de gestão e dinamização económica. Além disto, é necessário rever todos os contratos PPP no que face ao D-L existente configuram ilegalidades, podendo inclusivamente levar à sua renúncia.
Em resumo: temos decretos-leis; empresas do Estado para lhes dar cumprimento; comissões de acompanhamento, de fiscalização, de negociação; são contratados consultores; nada pode ser feito sem aprovação final do ministro das Finanças e da tutela. Existe o InIR, um instituto público para fiscalizar; o TC, a IGF e a DGTF fazem auditorias e análises, aliás entidades em grande parte ignoradas ou contestadas quando defendem os interesses do Estado. O resultado de tudo isto é uma situação financeira insustentável e um endividamento incomportável para o Estado.
Eis a regulação capitalista em todo o seu esplendor!
1 «Como o Estado Gasta o Nosso Dinheiro», Prof. Carlos Moreno, editora caderno; 2010.
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