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02/12/2011

Verdades e mentiras sobre a Segurança Social

Anselmo Dias

«É preciso libertar o Estado de pagar, no futuro, pensões extraordinariamente elevadas, porque isso já não é protecção, é sim gestão de poupanças».
O indivíduo que bolsou tal propósito foi o actual ministro da Solidariedade, o dr. Mota Soares, personagem que, no Governo, ombreia com todos aqueles que, no plano dos valores e do comportamento, pretendem substituir o direito de cidadania pelo assistencialismo e pela caridade, conferindo às almas de boa vontade a função que, no passado, coube «à sopa do Sidónio». Mas não só.
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Vejamos por partes.
Há, em Portugal, no sistema público de Segurança Social e na Caixa Geral de Aposentações, «pensões extraordinariamente elevadas»?
Não. Não há!
Primeiro exemplo: No sistema público de Segurança Social, em 2010, havia apenas 869 titulares com pensões superiores a 5000 euros, ou seja, no universo dos reformados e pensionistas por velhice e invalidez apenas 0,05 por cento
Isto significa que apenas um em cada dois mil reformados beneficiavam daquela pensão.
Com este rácio, só o ministro atrás referido e os demagogos da escola de Medina Carreira estão habilitados a dizer que no sistema público de Segurança Social há reformas milionárias.
Mas se a análise for feita na base das pensões superiores a 1000 euros então poderemos afirmar que tal universo corresponde a cerca de 5% (cinco por cento) do número total de reformados por velhice e invalidez, valor que seria ainda mais reduzido se nesses cálculos integrássemos os cerca de 700 000 beneficiários da pensão de sobrevivência cuja reforma média é inferior a metade daquilo que, em Portugal, é referido como o valor correspondente ao limiar da pobreza.
Segundo exemplo: No regime da função pública (Caixa Geral de Aposentações) a situação é algo diferente.
Com efeito, cerca de 50% dos reformados e aposentados recebem pensões superiores a 1000 euros e 4839 beneficiavam, em 2010, de pensões superiores a 4000 euros.
Porque é que estas pensões são superiores às do sistema público de Segurança Social, ou seja, àquele que corresponde ao sector privado da economia? Porque a estrutura laboral é bastante diferente.
Tenhamos presente que os reformados da Caixa Geral de Aposentações integram diplomatas, juízes, oficiais das Forças Armadas, professores, médicos, economistas, engenheiros, arquitectos, bem com outros licenciados.
Estamos, pois, a falar de um emprego com características diferentes daquelas que predominam no sector privado, muito influenciado por baixos salários, designadamente, nas indústrias têxtil, vestuário, calçado, mobiliário, a que se junta os sectores do comércio a retalho, a hotelaria e turismo e a construção civil.
Conclusão: Não há, nos regimes atrás referidos, e apenas nestes, em termos numéricos, as «pensões extremamente elevadas» conforme referiu o ministro que, numa «palhaçada com toda a pinta» foi de «lambreta» aquando da tomada de posse e que regressou, algum tempo depois, de automóvel de alta cilindrada guiada por um motorista às ordens.
Repetimos: não há pensões elevadas. Mas se houvesse qual seria o problema? Nenhum!
As pensões elevadas correspondem a salários elevados e a longos períodos contributivos.
Estas pensões elevadas correspondem a cidadãos que durante muito tempo fizeram elevados descontos que contribuíram para a sustentabilidade do sistema, beneficiando, por via do regime de repartição, as prestações sociais dos sectores mais desfavorecidos, ou seja, estamos a falar de uma verdadeira solidariedade no interior do sistema.
O problema da Segurança Social não reside nas pensões elevadas, reside, isso sim, nos baixos salários, nos reduzidos períodos contributivos e num sistema de financiamento que passa ao largo do lucro das empresas.
Outra coisa bem diferente são as pensões escandalosas de todos aqueles que tendo passado pelo governo e pela Assembleia da República fizeram o percurso clássico do Banco de Portugal, da Caixa Geral de Depósitos, dos institutos públicos, sem esquecer as empresas do sector empresarial do Estado.
Aqui, sim. Aqui há pensões obscenas que beneficiaram pessoas que sem terem atingido a idade legal da reforma, sem terem contribuído para o sistema público e que, de nomeação em nomeação foram, sucessivamente, acumulando pensões, não obstante alguns deles usufruírem de elevados salários pelo exercício de lugares de administração.
Neste «fartar vilanagem» quem não se lembra da pensão dourada de Mira Amaral, gamada aos nossos impostos pelo exercício efémero na Caixa Geral de Depósitos?
Moral de duas histórias:
  - as pensões elevadas provenientes, quer do sistema público de Segurança Social, quer da Caixa Geral de Aposentações são reformas legítimas porque correspondem a descontos efectuados, correspondem a um determinado período contributivo, correspondem, nos termos da lei, a uma fórmula matemática aplicada a todos sem excepção, ou seja, respeitando o princípio da universalidade, a que acresce o facto, já atrás referido, de essas pessoas terem contribuído, solidariamente, com os seus descontos, para a sustentabilidade do sistema;
mas a elevada pensão de Mira Amaral (18 000 euros), a pensão da jovem presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, bem como a de empresários e administradores de empresas, como sejam Carlos Melancia, Dias Loureiro, Armando Vara, Jorge Coelho, Joaquim Ferreira do Amaral, Eduardo Catroga, entre muitos outros, essas pensões concedidas «legalmente» por decisão do PSD e CDS-PP não incomodam o ministro Mota Soares e o dr. Medina Carreira?
 
O plafonamento

Voltemos ao ministro Mota Soares, o qual, a pretexto das pensões extraordinariamente elevadas, «admitiu a introdução do plafonamento...».
O que é o «plafonamento»? O «plafonamento» corresponde à fixação de um valor no salário, a partir do qual não são feitos descontos para a Segurança Social.
Vamos admitir que um trabalhador ganha 6000 euros por mês.
Vamos admitir que o plafonamento corresponde a 3000 euros.
Com base nesta premissa teórica deixaria de haver descontos para a Segurança Social no valor de 3000 euros, de que resultaria:
- um ganho para o patrão de 9975 euros por ano;
uma economia para o trabalhador de 4620 euros por ano.
Isto significaria que a Segurança Social ficaria, no caso em apreço, mais pobre em 14 595 euros, valor circunscrito apenas a um caso.
Se multiplicarmos este exemplo por milhares de situações similares estaremos em condições de dizer que as receitas da Segurança Social ficariam debilitadas em muitos milhões de euros, o que iria determinar uma evidente diminuição das prestações sociais, ou seja, a menos receita corresponderia menos despesa. Este é um exemplo limite.
Poderá haver uma outra hipótese, como seja a obrigatoriedade de o valor não descontado para a Segurança Social ser canalizado para um sistema de capitalização, a ser gerido pelo sistema financeiro.
Se a ideia do Governo for esta, os banqueiros esfregarão as mãos de contentamento porque isso dar-lhes-ia acesso a uma maior liquidez, liquidez sofregamente reclamada pela banca numa altura em que estão fechadas as torneiras no acesso ao crédito estrangeiro.
Se a ideia do Governo for esta, bem poderão os trabalhadores abrangidos pôr as barbas de molho sabido, como se sabe, da volatilidade do valor das acções como comprovadamente se verifica nas empresas cotadas em bolsa, de que o BCP é um caso exemplar: cerca de 11 cêntimos por acção. (cotação em 9/11/2011).
A colocação da parte não descontada para a Segurança Social no sistema financeiro seria, em nossa opinião, um crime de lesa-trabalhador, na medida em que estaria sujeito ao sobe-e-desce das cotações, realidade que os trabalhadores não dominam, pelo que a implantação do «plafonamento» corresponderia a trocar o certo pelo incerto.
Há uma outra hipótese, esta em beneficio das empresas, ou seja, a pretexto do «plafonamento» deixarem de contribuir para a Segurança Social, de acordo com o exemplo atrás referido, a partir de um certo valor do vencimento. Os defensores desta modalidade invocarão, de certeza, a chamada competitividade resultante da diminuição do custo do trabalho. No fundo esta hipótese teria os efeitos de uma redução parcial da taxa social única, objectivo previsto no texto inicial imposto pela troika, cujos resultados correspondem ao aumento do lucro das empresas.
Finalmente há uma outra via.
Essa diz respeito à luta que os trabalhadores do activo devem fazer no sentido da defesa dos seus interesses, ou seja, impedir a subversão do sistema público de Segurança Social.
O caminho a percorrer deve corresponder ao caminho do progresso e não ao da regressão, àquele que está plasmado na acção do actual Governo, que se reclama de direita mas cuja acção tem, desde já, inúmeros pontos de contacto com um projecto fascizante.

Pensões mínimas

Voltemos, mais uma vez, ao ministro Mota Soares.
Este indivíduo, durante a última campanha eleitoral para a AR, prometeu aumentar as pensões mínimas. Chegado ao Governo, utilizou umas vezes o conceito de «pensões mínimas», outras vezes o conceito de «pensões baixas», tudo isto à mistura com um número: haverá, segundo ele, uma actualização envolvendo um milhão de beneficiários, promessa que a comunicação social tem acefalamente reproduzido.
O conceito de «pensão baixa» e «pensão mínima» não é coincidente, diferença que não é possível, por falta de espaço, desenvolver neste artigo.
Vejamos, então, apenas estas últimas.
As pensões mínimas são oito, assim distribuídas:
- uma relativa ao regime não contributivo, (RNC);
uma relativa ao regime especial das actividades agrícolas, (RESSAA);
duas relativas ao sistema da função pública, (CGA);
quatro relativas ao sistema público de Segurança Social, (CNP).
Os valores dessas pensões são, actualmente, os seguintes:
- pensão social, (RNC), 189,52 euros;
pensão dos agrícolas (RESSAA), 227,43 euros;
pensão de sobrevivência na função pública, 115,10 euros;
pensão de velhice na função pública, 230,20 euros;
pensão da CNP, com menos de 15 anos de carreira contributiva, 246,36 euros;
pensão da CNP, com 15 a 20 anos de carreira contributiva, 274,79 euros;
pensão da CNP, com 21 a 30 anos de carreira contributiva, 303,23 euros;
pensão da CNP, com 31 ou mais anos anos de carreira contributiva, 379,04 euros.
Estas são, legalmente, as pensões mínimas, aquelas que o actual ministro Mota Soares prometeu serem aumentadas durante a última campanha eleitoral.
Chegado ao Governo mudou de discurso, cujas palavras, nas suas intervenções públicas, vão todas no sentido de considerar «pensões mínimas» apenas três: a pensão social, a pensão dos agrícolas e a pensão da CNP relativa aos reformados com menos de 15 anos de carreira contributiva, ficando assim de fora todos os reformados com mais de 15 anos de descontos, a que acrescem as pensões por velhice e de sobrevivência da função pública.
Não obstante este corte, o ministro Mota Soares continua a falar de um milhão de pessoas a ser abrangidas, sabendo ele muito bem que esse número é um valor demagógico, apenas utilizado para intoxicar a opinião pública.
Acrescentemos a esta demagogia um outro dado dramático: a actualização que o Governo PSD/CDS-PP promete fazer, de acordo com os dados constantes no OE, são os seguintes, na base de um aumento de 3,1%, caso, entretanto, este não venha a ser alterado:
- 5,88 euros por mês para a pensão social;
7,05 euros por mês para a pensão dos agrícolas;
7,64 euros para a pensão daqueles com menos de 15 anos de carreira contributiva.
Com o aumento dos transportes, da electricidade, do gás, das rendas de casa, dos medicamentos, das taxas moderadoras, dos produtos alimentares, o que fica daqueles aumentos?
Certamente, um menor poder de compra.
Certamente, mais fome, mais desconforto no Inverno, mais privação nos remédios, mais pobreza envergonhada, mais solidão e, seguramente para muitos, uma regressão na longevidade.
No contexto da resolução do défice orçamental, a morte antecipada de muitos reformados, por falta de recursos é, para essa gente que está no Governo, uma bênção do céu.
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Fontes:
- Pordata;
Expresso de 5/11/2011.

http://www.avante.pt/pt/1983/temas/117503/

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