Bernardo Kucinski
BELÉM - Tenho más notícias. A crise econômica está só no começo. Vai se aprofundar, durar anos, jogar milhões no desemprego e na rua da amargura. A profecia é de gente que entende, quatro especialistas convidados para o Fórum Social Mundial em um debate organizado por uma entidade também respeitável, a Fundação Friedrich Ebert. Pareciam os quatro cavaleiros do apocalipse.
Um deles, Joseph Borrell, com PhD em economia, ex-ministro de Obras da Espanha, cheio de outros títulos e credenciais, disse com todas letras que “os banqueiros que provocaram essa crise deveriam ser presos e processados por crimes contra a humanidade,” tal o estrago que provocaram no mundo e ainda provocarão. Mas em vez disso, estão soltinhos da vida, e ainda levaram de prêmio milhões de dólares como bônus de gratificação.
Na Espanha, diz Borrell, um milhão de pessoas perderam o emprego só nos três últimos meses. A taxa de desemprego deve atingir 17% da força de trabalho, a que havia na Espanha 15 anos atrás. “Recuamos 15 anos de nossa história econômica”, diz ele. Outra dimensão da profundidade da crise na Espanha é o estoque de 12 milhões de moradias vazias, sem comprador.
O economista do DIEESE Adhemar Mineiro, escolado e escaldado em economia internacional, disse que se trata de uma crise de todo o sistema econômico baseado na supremacia do capital financeiro e expansão ilimitada do crédito. Não é coisa pequena, localizada. É uma crise estrutural desse modo de produção e consumo.
A idéia de que a América Latina estaria imune ou menos vulnerável aos efeitos da crise também já foi para o ralo. Adhemar ressaltou o fato de que previsões cada vez mais pessimistas estão se sucedendo com rapidez. A previsão de que o PIB do Brasil cresceria 4% este ano foi rapidamente rebaixada à metade e hoje já se fala em crescimento zero.
O prognóstico é ainda pior para outros países da América Latina, de economia menos diversificada, que dependem de exportação de uma ou duas commodities, como Venezuela, Argentina, Chile. Vai ser pesado o efeito combinado do estrangulamento do crédito e queda no preço das commodities.
O sistema simplesmente parou e não conseguem religá-lo, diz Oscar Ugarteche, do Instituto Nacional de Pesquisas do México. Outro que tem Phd. Para ele ainda estamos na primeira etapa da crise. Uma montanha de títulos podres continua entupindo o sistema. O total de títulos e papéis criados pelos bancos é de 16 vezes o valor da riqueza real que os poderia lastrear. Essa montanha de títulos podres ainda está para desabar, só não se sabe quando e como. A bolha das hipotecas foi só a primeira.
Igualmente agourenta estava Modly McCoy, ativista da Confederação Internacional Sindical, que atua em nome dos trabalhadores no FMI e Banco Mundial. O discurso dessas entidades mudou com a crise, mas a prática não. Mesmo nos empréstimos emergenciais oferecidos nos últimos meses para tentar aplacar a sede de crédito continuaram impondo as condicionalidades neo-liberais: privatizar a previdência, reduzir salários de funcionários públicos e por aí afora. Não houve mudanças substantivas nessas estruturas de poder.
Por que está tão difícil atacar a crise? Em primeiro lugar porque precisaria haver um novo poder sobre o funcionamento da economia. Não adianta querer que o poder financeiro resolva, diz Adhemar Mineiro. Em segundo lugar, a crise já é global, mas as medidas anti-cíclicas que vêm sendo tomadas limitam-se a países. Poderiam até dar resultado nos marcos de uma integração regional porque a produção hoje em dia se dá numa escala que exige mercados ampliados, diz Oscar Ugarteche.
O pior de tudo, diz Joseph Borrell, é que a condução das soluções está nas mãos dos mesmos sujeitos que provocaram a crise. Os governos estão enchendo os bancos de dinheiro, sem exigir nada em troca. Ao contrário, ainda prometem que vão fazer de tudo para não nacionalizar os bancos, e pedem desculpas, se tiverem que nacionalizar será tudo temporário. E os paraísos fiscais, que ele chama de “o lado escuro do sistema financeiro”, continuam intocáveis”.
“As esquerdas não tem coragem de denunciar tudo isso e exigir mudanças reais. Estão paralisadas.”
Agência Carta Maior (31.01.09)
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