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27/01/2009

Onde vai parar o dinheiro de ajuda? 350 mil milhões de dólares mais tarde, os bancos não dizem como os vão gastar

Matt Apuzzo - Jornalista da “Associated Press”

Há alguém que julgue que pode pedir um empréstimo a um banco sem ter que dizer o que vai fazer com ele? Pelos vistos, quando emprestamos dinheiro aos bancos eles não sentem a necessidade de dizer como o vão gastar.

Depois de receberem biliões de ajuda dos contribuintes americanos, os maiores bancos da nação dizem que não conseguem saber exactamente onde é que empregam o dinheiro. Há até outros que nem sequer falam disso.

« Decidimos não o divulgar», disse Kevin Heine, porta–voz do Banco Mellon de Nova Iorque, que recebeu cerca de 3 biliões de dólares.

Thomas Kelly, um porta–voz do JPMorgan Chase, que recebeu 25 biliões de dólares de ajuda de emergência, afirmou que enquanto algum dinheiro era emprestado, outro montante não o era, e o banco não deu nenhuma explicação de como exactamente o dinheiro era utilizado.

«Não divulgámos isso ao público. Decidimos não o fazer», disse Kelly.

A «Associated Press» (AP) contactou 21 bancos que tinham recebido pelo menos 1 bilião de dólares de dinheiro do governo e fez-lhes quatro perguntas: Quanto dinheiro foi gasto? Onde foi gasto? Quanto foi mantido como poupança e que plano têm para o restante?

Nenhum banco forneceu respostas específicas.

«Não controlamos a pista dos dólares entrados e saídos», disse Barry Kolling, um porta–voz de «Sun Trust Banks Inc.», com sede em Atlanta, que recebeu 3,5 biliões de dólares dos contribuintes.

Alguns bancos disseram que simplesmente não sabiam para onde ia o dinheiro.

«Gerimos o nosso dinheiro globalmente», disse Tim Deighton, porta–voz de «Regions Financial Corp», que afirmou que a companhia, com sede em Birmingham, não sabe como gasta os 3,5 biliões que recebeu como uma parte de ajuda financeira.

As respostas põem em relevo o secretismo que rodeia o Programa «Troubled Asset Relief» que destinou 700 biliões de dólares – cerca da dimensão da economia da Holanda – para ajudar salvar a indústria financeira. O Departamento do Tesouro tem vindo a utilizar o dinheiro para a compra de stocks em bancos americanos, na esperança de que a súbita entrada de capitais faça com que os bancos voltem de novo a conceder créditos.

Não há controlo de como os bancos gastam o dinheiro. Os legisladores pediram o mês passado a comparência de directores de bancos no Congresso e implorou-lhes que concedam créditos – e não que juntem e escondam dinheiro ou que o apliquem em bónus de empresas, viagens pagas ou para comprar outros bancos. Mas não há nenhum processo que garanta que essas coisas acontecem e não há nenhumas consequências para os bancos que não cumprem.

«É inteiramente apropriado que o povo americano saiba como são gastos na indústria privada os dólares dos contribuintes», disse Elizabeth Warren, o «cão de guarda» do Congresso, supervisionando a ajuda financeira.

Mas, pelo menos por agora, não há forma dos contribuintes saberem.

O Congresso, pressionado pela administração Bush para aprovar rapidamente o dinheiro, quase não pôs objecções em Outubro à ajuda de 700 biliões. E o Departamento do Tesouro, que distribui o dinheiro, nunca pergunta aos bancos como é que ele vai ser aplicado.

«São perguntas legítimas que deviam ter sido feitas logo no princípio», disse o senador republicano Scott Garrett, membro do «House Financial Services Committee» que se opôs à ajuda quando esta foi aprovada rapidamente no Congresso. «Para onde vai o dinheiro? Como vai ser gasto? Quando é que vamos ter registos dele?»

Quase todos os bancos que a AP interrogou – incluindo o Citybank e o Banco da América, dois dos maiores receptores de dinheiro de ajuda – responderam com declarações genéricas de relações públicas, explicando que o dinheiro estava a ser utilizado para fortalecer balanços de empresas e para continuar a conceder empréstimos para facilitar a crise creditícia.

Alguns bancos descreveram programas específicos de empresas, como o Plano da JPMorgan Chase, de empréstimos de 5 biliões no próximo ano a empresas não lucrativas e de cuidados de saúde. Richarf Becker, principal vice–presidente da Marshall & Ilsley Corp, com sede em Wisconsin, disse que 1,75 biliões de dólares em dinheiro de ajuda permitiram ao banco parar com a execução de hipotecas no imobiliário.

Mas nenhum banco forneceu a mais das básicas explicações sobre o dinheiro federal.

Houve quem dissesse que não havia pistas do dinheiro. Bob Denham, um porta-voz da empresa BB&T, com sede em Carolina do Norte, disse que o dinheiro de ajuda «não tem o seu balde próprio». Mas também disse que o dinheiro dos contribuintes não fora aplicado na recente compra de uma empresa de seguros na Florida. Quando perguntado como é que tinha a certeza disso, uma vez que não havia pista do dinheiro, Denham disse que o banco teria feito o negócio, quer houvesse pista do dinheiro ou não.

Outros, como Clarissa Ramirez, porta – voz da Morgan Stanley, ofereceu-se para discutir o assunto com os jornalistas mas sob a condição de anonimato. Quando a AP recusou, Ramirez enviou um e-mail a dizer: «Declinamos comentar a vossa história.»

A maioria dos bancos não diz por que mantém os pormenores secretos.

«Não partilhamos quaisquer outros pormenores. Não, nesta altura,» disse Wendy Walker, uma porta–voz de Comerica Inc, sediada em Dallas, que recebeu 2,25 biliões de dólares do governo.

Nem nos apetece dizer que eles não diriam.

Heine, porta–voz da New York Mellon Corp que disse que não partilharia gastos específicos, acrescentou: «Prefiro que vocês não digam que nós não iremos discutir esses pormenores.»

Os bancos que mais se aproximaram de responder às perguntas, tais como o U.S. Bancorp e o Huntington Bancshares Inc., só recentemente receberam dinheiro e ainda têm que o gastar. Mas nenhum deles disse, à excepção de um resumo genérico, de como o ia gastar

Dizem os legisladores que há que apertar as restrições no restante bloco de 350 biliões de dinheiro de ajuda ainda por libertar, antes de mais dinheiro ser entregue. O Secretário do Tesouro, Henry Paulson, disse que o departamento está a tentar apressar a sua própria monitorização dos gastos bancários.

«O que aqui temos vindo a fazer é avançar, suponho que à velocidade do relâmpago, para activar os programas necessários, desenvolvê-los, implementá-los, e depois temos de monitorizá-los ao mesmo tempo que fazemos isto,» disse Paulson num fórum recente em Nova Iorque. «Estamos a construir esta organização à medida que avançamos.»

Warren, o «cão de guarda» do Congresso, nomeada pelos Democratas, disse que o seu painel de supervisão tentará forçar os bancos a dizer onde é que gastaram o dinheiro.

«É preciso ter muito descaramento para não responderem», disse ela.

Mas acrescenta que se surpreende ainda ter que perguntar.

«Para começar, se forem postas as restrições adequadas no dinheiro, se existir uma transparência adequada, não ficaríamos numa posição de ter de ir junto de cada receptor de dinheiro para obter informações básicas que já existiriam em documentos públicos,» disse Warren.
Garrett, congressista de Nova Jersey, disse que a nação talvez nunca consiga obter uma resposta clara sobre para onde foram centenas de biliões de dólares.

Este relatório teve a contribuição dos seguintes escritores da AP: Stevenson Jacobs, em Nova Iorque, e de Christopher S.Rugaber e Daniel Wagner, em Washington

Tradução de João Manuel Pinheiro
- In ODiario.info

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