À procura de textos e pretextos, e dos seus contextos.

23/04/2009

Feira da morte, fórum da fome

Mesmo num ano que começou com o massacre de palestinos na Faixa Gaza e o aprofundamento da crise do capitalismo, na zona oeste do Rio de Janeiro o Hotel Intercontinental recebeu o Fórum Econômico Mundial da América Latina, enquanto, na mesma semana, o Riocentro expunha produtos da indústria bélica global, na Latin America Aero and Defense (LAAD).

A realização da feira provocou indignação mais nítida por parte de movimentos sociais. Maior exposição de armamentos bélicos do subcontinente, a LAAD contou com 18,2 mil visitantes de 53 países. Bianual, teve um crescimento, em área física, de 15% em relação à última edição, em 2007.

Além disso, a exposição reservava vasto espaço para a indústria bélica israelense. Entre as 336 empresas expositoras, quatro dos principais fabricantes do país: Elbit Systems, Rafael A.D. Systems, Israel Military Industries e Israel Aerospace Industries. Compareceram ao evento o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o governador Sérgio Cabral (PMDB), o prefeito Eduardo Paes (PMDB) e o Ministro da Defesa Nelson Jobim (PMDB).

A Plenária dos Movimentos Sociais organizou um protesto contra a feira, com a presença de Marcelo Yuka, ex-bateirista de “O Rappa”, paraplégico por ter sido baleado em assalto, e MC Leonardo, do Movimento APAFunk. Os manifestantes expuseram fotografias da última chacina israelense na Faixa de Gaza, e ofereceram balas e revólveres de brinquedo aos visitantes da exposição. “É um absurdo realizar um evento desses em um momento de insegurança como o atual. Essa feira é lamentável”, protestou Yuka.

Maristela Santos, do Comitê do Rio de Janeiro de Solidariedade à Luta do Povo Palestino, considera que “é de uma indignidade tremenda o Brasil ser anfitrião dessa feira. O governo brasileiro deveria ter uma posição firme de repúdio a esse evento. Mas ele se curva ao imperialismo”.

Empresas israelenses

Segundo o Comitê, a Elbit fornece ao exército israelense veículos aéreos não-tripulados, controlados por controle remoto, e está envolvida na construção do muro da Cisjordânia, que, com o argumento da segurança, divide terras palestinas e impede o trânsito de moradores locais. Já a Israel Aerospace Industries é a principal indústria aeronáutica do país, e tem planos de atuar no Brasil.

Dentro dos galpões, homens e mulheres vestidos em traje fino alternavam-se com outros de roupas militares. Em um disputado estande, as pessoas que compareceram à feira testavam armas eletrônicas. Em outro local, metralhadoras pesadas eram disputadas por civis e militares, que armavam a mira e simulavam o ataque.

Lançando mão dos jargões retóricos de ambientes de mercado, os visitantes falavam de armas como quem fala de flores. “Todo país precisa de segurança. Então, precisa de arma. Sou contra a violência. Isso me interessa só por curiosidade”, disse Sonia Senra, enquanto o filho testava uma metralhadora. Residente no Marrocos, e esposa de militar, defendia o uso de armas “somente como esporte”.

Em estande vizinho à área israelense, Luis Otávio Rosa, representante da Cockerill Maintenance & Ingénierie (CMI) no Brasil, ao ser perguntado sobre o que achava da feira abrigar os protagonistas do massacre em Gaza, questionou, com ironia: “o que aconteceu em Israel? Eu não sei”.

Dan Ze’evi, diretor da Israel Military Industries, não considera os protestos dos movimentos sociais cariocas relevantes para os expositores da feira. Em uma das raras respostas que deu às perguntas que lhe foram feitas, disse que a manifestação era “um problema interno que o governo brasileiro tem que resolver. Não temos nada com isso”. A empresa fornece munição para infantaria, aviação e tanques, e chapas blindadas para a escavadeira Caterpillar D-9, usada na demolição de residências palestinas.

Imune à crise

Mais simpático, Lova Drori, vice-presidente executivo da Rafael A. D. Systems, estava otimista. Segundo ele, a crise econômica não afetará a indústria bélica a curto prazo. “Os governos preferem fazer cortes no orçamento a cancelar programas importantes. Até agora, vemos a influência da crise, mas não nos afeta tanto”, disse. Estatal, sua empresa fornece mísseis, sistemas de mira e tecnologia para os tanques israelenses.

O discurso era em uníssono. Todos diziam que eram contra a guerra, e que os países tinham necessidade de se defender. “A feira é de Defesa, não de ataque”, evocou Lova. Loreen Haim-Cayzer, diretora de marketing e vendas da Netline, foi mais didática. “As pessoas vivem em diferentes realidades. Os homens-bomba entram nas cidades e matam. A feira é para que isso não aconteça. Não se produz aqui homens-bomba, mas soluções para nos proteger deles”, defendeu. Fabricante israelense de bloqueadores de celular para presídios, a Netline atua no Afeganistão e em Israel, e negocia sua entrada no mercado brasileiro.

Segundo Marco Pantoja, porta-voz da Marcha Mundial pela Paz e Não-Violência, “hoje se investe 3 milhões de dólares a cada minuto em armamentos. No mesmo período, morrem 10 crianças de fome ou por doenças curáveis”. E complementa: “temos que denunciar que, com 10% desse orçamento, acabaríamos com a fome no mundo”. ( Leia mais na edição 321 do Brasil de Fato, já nas bancas)
Brasil de Fato - 22.04.09

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails