Margarida Carvalho
Os 20% de trabalhadores do sector privado português com as remunerações mais elevadas recebem quatro vezes mais do que os 20% de trabalhadores com as remunerações mais baixas. Lisboa é o único distrito do país em que a remuneração média se situa acima dos mil euros. Os trabalhadores do sector energético auferem, em média, o dobro da remuneração média nacional. Um trabalhador de um pequeno estabelecimento tem, em média, uma remuneração correspondente a 60% da de um trabalhador de um grande estabelecimento. A diferença remuneratória entre homens e mulheres é mais acentuada nos níveis superiores de ensino.
Neste texto são abordadas as desigualdades de remuneração entre os trabalhadores das empresas portuguesas no ano de 2008. A fonte utilizada é a informação recolhida anualmente pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social (GEP/MTSS) junto da totalidade das empresas portuguesas e respectivos estabelecimentos – os Quadros de Pessoal. Este instrumento incide sobre uma série de características dos estabelecimentos que as compõem e dos trabalhadores que lá exercem a sua actividade.
Nesse ano foram recenseadas 357.235 empresas que empregavam 3.271.947 trabalhadores. Destes, 87% trabalhavam a tempo completo (n=2.860.183) e 70% auferiram a remuneração base completa[1] (n=2.278.538). É sobre este subconjunto – trabalhadores a tempo completo e que auferiram a remuneração base completa – que vão ser apresentados os dados sobre as desigualdades de remuneração (n=2.278.538).
Como se pode observar no Quadro 1, a média da remuneração para estes trabalhadores é de 843 Euros. No mesmo quadro é possível ver os rácios S80/S20, S90/S10 e S95/S05. O rácio S80/S20[2] é de 4,3, o que significa que os 20% de trabalhadores com remunerações mais elevadas recebem quatro vezes mais do que os 20% de trabalhadores com remunerações mais baixas. O rácio S95/S05 é de 7,8, ou seja, os 5% de trabalhadores com remunerações mais elevadas têm remunerações quase oito vezes superiores às dos 5% de trabalhadores com remunerações mais baixas.

Vários factores podem ser considerados na explicação destas desigualdades: factores relacionados com as características dos estabelecimentos em que os trabalhadores estão inseridos, factores decorrentes da sua situação laboral nesses mesmos estabelecimentos e as suas características sociográficas.
Considerando o distrito, a classificação das actividades económicas (CAE) e a dimensão dos estabelecimentos em que os trabalhadores estão inseridos, ou seja, variáveis que caracterizam os estabelecimentos, há diferenças claras de remuneração que podem ser observadas nos gráficos que se seguem.
Na Figura 1 é possível ver que a remuneração média varia consideravelmente consoante o distrito em que está localizado o estabelecimento. Sendo a média de remuneração para o total de trabalhadores de 843 Euros, observa-se que Lisboa e o Estrangeiro (correspondente a empresas portuguesas com estabelecimentos fora de Portugal) se destacam com valores acima da média (1.094 e 1.096 Euros, respectivamente), enquanto a Guarda apresenta a média mais baixa (640 Euros).

Quanto às variações consoante a actividade a que se dedica o estabelecimento, a Figura 2 mostra que há diferenças consideráveis consoante o sector de actividade. O sector da Electricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio (D) é aquele em que os trabalhadores têm em média remunerações mais elevadas (1.693 Euros), enquanto o sector da Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca (A) é o que apresenta remunerações médias mais baixas: 613 Euros.

Na Figura 3 pode observar-se que as remunerações médias vão aumentando consoante a dimensão do estabelecimento. Assim, é nos estabelecimentos que têm entre 1 e 5 trabalhadores que as remunerações são mais baixas (em média 646 Euros) e é nos estabelecimentos com 251 e mais trabalhadores que são mais elevadas: em média 1.072 Euros.

A situação em que os trabalhadores se encontram nestes estabelecimentos é também importante para compreender as desigualdades de remuneração observadas: como se pode ver na Figura 4, são os contratados sem termo que auferem remunerações médias mais elevadas (911 Euros).

Por outro lado, as próprias características dos trabalhadores são importantes para explicar as desigualdades nos níveis de remuneração. Se se considerar o sexo dos trabalhadores, verifica-se a existência de uma disparidade considerável na remuneração média: enquanto as mulheres têm uma remuneração média de 748 Euros, os homens recebem 917 euros. Isto significa que, em média, as mulheres recebem menos 18% do que os homens (Figura 5).

Em termos etários, observa-se um aumento da remuneração ao mesmo tempo que aumenta a idade (Figura 6). Esse aumento é mais acentuado na passagem do escalão “15 – 24 anos” para o escalão “25 – 34 anos”, onde se observa um aumento de 231 Euros. O acréscimo mais pequeno acontece na passagem da categoria “35 – 44 anos” para a “45 – 54 anos”: 26 Euros.

Relativamente às habilitações escolares, as remunerações são abaixo da média nos trabalhadores que têm até Ensino Básico (Figura 7). É na passagem do nível “Ensino Pós-Secundário Não Superior (Nível IV)” para o “Bacharelato” que se verifica o aumento mais significativo: de 944 Euros de remuneração média passa-se para 1.533 Euros (um aumento de 62%).

Existem, portanto, diferenças nos níveis de remuneração tanto se se considerar o sexo do trabalhador (em média os homens têm remunerações mais elevadas) como se se considerar os níveis de habilitações (quanto mais elevados maior é a remuneração média). Com o objectivo de verificar se a relação entre o nível de habilitações e a remuneração se altera significativamente consoante o trabalhador é homem ou mulher foi realizado um teste à moderação.
O teste deu significativo[4], podendo então concluir-se que o efeito do nível de habilitações na remuneração é significativamente diferente consoante o sexo do trabalhador, embora com um efeito muito fraco (Eta2 = 1,2%).
Na Figura 8 é possível observar esse efeito de moderação. Como é visível, independentemente do nível de habilitações, em média as mulheres têm sempre remunerações mais baixas do que os homens. No entanto, essa diferença é consideravelmente maior nos níveis de habilitações mais elevados: assim, uma mulher com licenciatura aufere, em média, 68% da remuneração de um homem com o mesmo nível de ensino. No caso dos indivíduos com escolaridade inferior ao 1º Ciclo do Ensino Básico, as mulheres têm em média uma remuneração correspondente a 86% da dos homens.

O Quadro 2 apresenta as médias correspondentes a cada perfil e a diferença percentual entre eles.

Por último, são também de destacar as desigualdades nos níveis médios de remuneração resultantes dos níveis de qualificação dos trabalhadores (Figura 9): os Quadros superiores destacam-se com as remunerações médias mais elevadas (2.119 Euros), enquanto os Praticantes e Aprendizes e os Profissionais Não Qualificados se destacam com os valores mais baixos (489 e 500 Euros, respectivamente).

Como foi visto neste texto, o sector das empresas portuguesas é atravessado por uma série de desigualdades no que se refere à remuneração dos seus trabalhadores. Sendo a média da remuneração base para o total de trabalhadores de 843 Euros, há uma série de factores que se reflectem num aumento ou numa diminuição desse valor, em muitos casos de forma muito acentuada.
O facto de os trabalhadores trabalharem em empresas situadas em Lisboa reflecte-se numa remuneração média 30% superior à média nacional. Pelo contrário, a localização da empresa no distrito da Guarda repercute-se numa remuneração correspondente a 76% da média nacional.
Há sectores de actividade em que os trabalhadores auferem remunerações médias muito superiores à média do país: é o caso dos sectores da Electricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio (mais 101% do que a média nacional), das Actividades de informação e de comunicação (mais 83%) e das Actividades dos organismos internacionais e outras instituições extra-territoriais (mais 80%). No lado oposto encontram-se os sectores da Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca (em que a média da remuneração é 27% inferior à média nacional) e do Alojamento, restauração e similares (menos 26%).
Nos pequenos estabelecimentos as remunerações são em média mais baixas do que nos grandes estabelecimentos: enquanto nos estabelecimentos que têm entre 1 e 5 trabalhadores a remuneração média é de 646 Euros (portanto, 77% da média nacional), nos estabelecimentos com mais de 251 trabalhadores esse valor é de 1.072 Euros (mais 27% do que a média global).
Por outro lado, o perfil do trabalhador é também importante para compreender as desigualdades de remuneração observadas. Não só os homens auferem, em média, remunerações superiores às das mulheres, como essa desigualdade é maior nos níveis de habilitações mais elevados. Assim, enquanto um homem com habilitações inferiores ao 1º ciclo do Ensino Básico obtém, em média, mais 14% do que uma mulher com o mesmo nível de ensino, um homem com licenciatura ganha em média mais 32% do que uma mulher com as mesmas habilitações.
Também a idade se reflecte em diferentes níveis de remuneração, sendo os mais novos os que têm remunerações mais baixas. Até aos 34 anos as remunerações médias são mais baixas do que a média nacional.
Os níveis de qualificação dos trabalhadores e o tipo de vínculo laboral que têm com a empresa onde trabalham são também úteis para compreender as desigualdades de remuneração. Em termos de qualificação, os Quadros superiores são os trabalhadores com remunerações mais elevadas (três vezes superiores à média nacional), enquanto se olharmos para o vínculo laboral são os contratados sem termos que auferem as remunerações médias mais elevadas, embora não muito distantes da média geral (mais 67 Euros).
[1] Remuneração Base: montante ilíquido (antes da dedução de quaisquer descontos) em dinheiro e/ou géneros pago aos trabalhadores, com carácter regular mensal, referente ao mês de Outubro e correspondente às horas normais de trabalho. Inclui o pagamento por dias de férias, feriados e faltas justificadas que não impliquem perda de remuneração; inclui também o pagamento por horas remuneradas não efectuadas (Quadros de Pessoal, Instruções Específicas, 2009).
[2] Rácio S80/S20: “indicador de desigualdade na distribuição do rendimento, definido como o rácio entre a proporção do rendimento total recebido pelos 20% da população com maiores rendimentos e a parte do rendimento auferido pelos 20% de menores rendimentos” (INE).
[3] A. Agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca; B. Indústrias extractivas; C. Indústrias transformadoras; D. Electricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio; E. Captação, tratamento e distribuição de água; saneamento, gestão de resíduos e despoluição; F. Construção; G. Comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos; H. Transportes e armazenagem; I. Alojamento, restauração e similares; J. Actividades de informação e de comunicação; K. Actividades financeiras e de seguros; L. Actividades imobiliárias; M. Actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares; N. Actividades administrativas e dos serviços de apoio; O. Administração Pública e Defesa; Segurança Social Obrigatória; P. Educação; Q. Actividades de saúde humana e apoio social; R. Actividades artísticas, de espectáculos, desportivas e recreativas; S. Outras actividades de serviços; U. Actividades dos organismos internacionais e outras instituições extra-territoriais.
[4] F(8, 2278520)= 3443,586, p<0,000.
http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt/index.jsp?page=projects&lang=pt&id=103
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