18/10/2010

“Não somos 33, somos 300”: Companheiros dos mineiros resgatados reclamam pagamentos

No acampamento Esperanza houve uma missa em honra do salvamento dos 33 mineiros no Chile, mas cá fora outros mineiros protestaram contra os salários em atraso e as condições em que vivem. “Não somos 33, somos 300”.

Os 33 mineiros resgatados na passada quarta-feira têm sido recebidos como heróis, com festas e convites. Chegam-lhes propostas de emprego e inúmeros pedidos de entrevistas para contarem o que aconteceu durante os 69 dias em que viveram soterrados. Mas os outros mineiros que também trabalhavam na mina de San José, gerida pela empresa San Esteban, estão sem trabalho e sem dinheiro. Este domingo, alguns deles protestaram junto ao acampamento Esperanza.

Eram cerca de 20 e levaram cartazes onde se lia “não somos 33, somos 300”, ou “70 dias sem trabalho e sem dinheiro”. Um dos mineiros resgatados, Jimmy Sánchez, de 19 anos, abandonou por instantes a missa para ir falar com os companheiros e manifestar o seu apoio. Prometeu ajudá-los.

A dirigente sindical Evelyn Olmos ficou indignada por não os terem deixado participar na missa. “Não é digno”, disse ao “El Mundo”. E o mineiro Javier Abarca lamentou a falta de atenção do Governo. “Tenho uma filha na universidade, temos filhos para criar e isto já se prolonga há 70 dias. Precisamos de dinheiro já”, disse ao “El País”. “Estamos encurralados à superfície”.

Processada pelas famílias dos mineiros soterrados e com a mina de San José fechada por falta de condições de segurança, a empresa San Esteban disse inicialmente que não tinha condições para pagar e, depois dos protestos, prometeu pagar em Dezembro mas apenas uma quarta parte do que deve.

Na missa participaram apenas alguns dos mineiros resgatados – o chefe de turno Luis Urzúa, o boliviano Carlos Mamani, Juan Aguillar, Cláudio Yánez, Dário Segóvia, Daniel Herrera, Alex Vega, Mário Gómez, Omar Reygadas, Jimmy Sánchez e Pablo Rojas. Os restantes ainda recuperam dos dias que estiveram fechados na mina e das recepções efusivas que tiveram, ou procuravam escapar ao assédio mediático a que têm sido sujeitos.

O negócio das entrevistas

Lá em baixo tinha sido estabelecido um pacto de silêncio, sobretudo em relação aos primeiros 17 dias de clausura, quando ninguém sabia onde estavam, ou se estavam vivos. Mas são cada vez mais os pedidos de entrevistas e as ofertas de dinheiro por relatos do que aconteceu na mina.

“Dêem-me o meu espaço, por favor!”, disse Omar Reygadas aos jornalistas, à saída da missa. “Tiram-me fotos se eu olho para aqui ou para ali, tiram-me fotos quando danço, não posso fazer nada”, lamentou Maria José, filha do mineiro Mário Gomes, em declarações à AFP. “Somos apenas gente simples que sobreviveu”, adiantou ao diário La Tercera o mineiro Victor Segóvia.

Muitos mantêm o compromisso de não falar sobre os 17 primeiros dias. “Defendo que se deve guardar esse espaço como propriedade dos 33”, adiantou ao “El Mercúrio” Juan Illanes. Já Reygadas nega ter havido um pacto de silêncio e diz não haver “nada a esconder”. E adianta: “Vivemos lá em baixo como companheiros, não aconteceu nada de que possamos envergonhar-nos.”

Mário Sepúlveda, o segundo mineiro a ser resgatado pela cápsula Fénix, já falou de alguns dos assuntos mais polémicos que têm sido referidos pelos jornais, como a hipótese de se ter pensado em canibalismo. “A razão pela qual estou a falar é porque as pessoas têm bisbilhotado, dito coisas. Por isso é importante explicar algumas dessas coisas estão erradas”, adiantou, citado pela Reuters. “Dizer que tivemos sexo uns com os outros é completamente errado. Há coisas de que nunca falarei. Mas há outras que podem embaraçar alguns dos rapazes.”

Rodeados de fotógrafos e jornalistas, alguns mineiros cobram pelas entrevistas montantes que podem ir dos 40 aos 25 mil dólares. Alguns órgãos de informação no Japão, Itália ou Alemanha já ofereceram viagens e dinheiro por exclusivos. Um jornalista japonês disse ao “New York Times” ter pago 500 dólares por uma entrevista a Florencio Ávalos, o primeiro mineiro a ser resgatado, e lamentou não ter conseguido muitos pormenores.
“Somos pobres, olhem para o sítio onde vivemos”, disse ao diário norte-americano Verónica Quise, mulher do mineiro Carlos Mamani. “Vocês vivem das nossas histórias, por que não podemos aproveitar esta oportunidade para alimentar as nossas crianças?”

http://publico.pt/Mundo/companheiros-dos-mineiros-resgatados-reclamam-pagamentos_1461609

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